O homem biologicamente incapaz de sonhar
"Sonhar não custa nada". Esta expressão popular soa
para a maioria como uma verdade incontestável.
Afinal, quem nunca fechou os olhos deitado sobre o
travesseiro, em sua mesa de trabalho ou no ônibus e se
viu transportado, como num passe de mágica, para uma
praia paradisíaca ou marcando um gol na Copa do
Mundo ao lado de um ídolo? Também acontece de se
encontrar em situações assustadoras, estranhas ou até
incompreensíveis.
Mas há uma porcentagem da população para a qual o
mundo dos sonhos, entendido como aquele território em
que a mente cria histórias com imagens, sons e até
cheiros enquanto dormimos ou até mesmo estamos
acordados, é algo desconhecido. O motivo? Eles têm
afantasia.
"A afantasia é a ausência de visão mental ou a
incapacidade de visualizar". É assim que o neurologista
britânico Adam Zeman define a condição, da qual
apenas se começou a falar nas últimas duas décadas,
em grande parte por causa de suas pesquisas sobre
imagens mentais.
"Para a maioria de nós, se nos disserem 'mesa de cozinha' ou 'árvore de maçãs', seremos capazes de
reproduzir em nosso cérebro ambas as imagens.
Pessoas com afantasia, no entanto, são incapazes de
fazer isso", acrescentou o professor da Universidade de
Exeter, no Reino Unido.
O médico venezuelano Guillermo Antonio Acevedo
pertence ao grupo ao qual o especialista se refere. "Meu
cérebro é como um computador com o monitor desligado
ou que só armazena arquivos txt (de texto) e não suporta
arquivos jpg, png ou nenhuma imagem", ilustrou.
Foi por acaso que Acevedo descobriu que pertence aos
4% da população que, segundo especialistas, não
visualizam imagens mentais.
"Eu trabalhava em um hospital psiquiátrico, comecei a
mergulhar mais em temas de neurologia e doenças
mentais e me deparei com um artigo de Zeman, que
falava sobre a mente cega", contou por telefone, da
cidade espanhola de San Sebastián, onde vive e
trabalha há seis anos. "Esse artigo descreve como as
pessoas que têm afantasia pensam e explica que essas
pessoas não conseguem imaginar coisas, ou seja, não
veem imagens em sua mente. E foi aí que eu disse a
mim mesmo: mas será que as pessoas podem realmente
fazer isso?", continuou ele. "O meu choque foi que havia
pessoas dizendo que podiam imaginar coisas na sua
mente.
Hoje, com trinta e cinco anos, Acevedo passou trinta e
um anos de sua vida acreditando que, quando as
pessoas diziam ter sonhado, não visualizavam o que
contavam. "Até eu descobrir que tinha afantasia,
pensava que os desenhos animados colocavam a
nuvenzinha nos personagens para que pudéssemos
entender a história", explicou ele.
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1418120qwqo.adaptado.