Pensar nas criminalizações históricas
Vera Malaguti Batista, professora de Criminologia da Universidade Cândido Mendes e membro do Conselho Superior do
Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito (ILANUD), respondeu às seguintes perguntas
da revista IHU-Online, em março de 2008.
IHU On-Line - Na sua opinião, quais são as origens da violência no Brasil?
Vera Malaguti Batista - A história do Brasil é uma história de violências. O genocídio colonizador, a destruição das
civilizações indígenas e a violência fundacional da escravidão são marcas históricas. Cada vez que o povo brasileiro
tenta ser o protagonista de sua história ele é criminalizado e brutalizado.
IHU On-Line - A senhora acredita que existe um descompasso entre crescimento econômico e a segurança
pública no país?
Vera Malaguti Batista - Neste momento, eu acredito estarmos vivendo uma situação singular. Nós já sabemos, pelos
fatos e estatísticas, que o neoliberalismo (que creio estar, com o fim da Era Bush, em fase descendente) produziu um
colossal encarceramento de pobres no mundo e também políticas de segurança pública truculentas nas margens pobres
do mundo. Só assim os mais ricos poderiam tentar concentrar tanto poder e riqueza. O Brasil seguiu essa tendência. O
interessante é que já estamos vivendo um momento diferente, com avanços significativos no desenvolvimento
econômico e melhora inegável nos níveis de renda, trabalho e oportunidades. No entanto, continuamos com um sistema
penitenciário perversamente superlotado e com um Estado policial em curso. A transformação dos conflitos sociais em
casos de polícia, o aumento desmedido do sistema penal e, principalmente, a inculcação de uma cultura punitiva
continuam a todo vapor, com o auxílio luxuoso da grande mídia, que perpetua, assim, nossas tradições de truculência e
barbarização dos pobres.
IHU On-Line - Quais são os maiores problemas do sistema penitenciário e como resolvê-los?
Vera Malaguti Batista - O maior problema do sistema penitenciário é que ele nunca poderá ser um bom sistema. A pena
e a prisão são produtoras de dor e apartação, ou seja, nada de bom pode vir delas. Precisamos pensar num projeto de
desencarceramento. O grande jurista argentino Raúl Zaffaroni denuncia que, na América Latina, cerca de 70% dos
presos são provisórios. No Brasil, existem estudos indicando que 40% dos nossos presos estão na cadeia sem
condenação. Estão lá como a menina do Pará, jogada numa cela por uma pequena transgressão juvenil, sem acesso à
defesa. Depois, ao contrário do senso comum, precisamos aumentar a comunicação com os presos. É necessário
aumentar as pontes, abrir portas, quebrar o maniqueísmo do “nós e eles”. Além disso, é necessário diminuir o sofrimento
dos familiares de presos, que acabam cumprindo pena junto com seus entes queridos e passam por toda sorte de
constrangimento e estigmatização.
(Revista IHU-Online, n. 152, mar. 2008, p. 20-21)