Privacidade das crianças na internet: quem
deixou você postar isso?
O bebê sentou sozinho. Click. Aprendeu a
segurar o pé. Click. Se lambuzou inteiro de
papinha. Click. Caiu um dente de leite. Click. Se
antes os registros da infância eram guardados
como preciosidades em empoeirados álbuns de
família, no mundo frenético e digital da pósmodernidade eles encontraram uma nova
plataforma: as redes sociais. E nem é preciso
esperar por uma ocasião especial para publicar
fotos e vídeos. O café da manhã, o caminho
para a escola, a hora do almoço e até o banho...
Tudo é pretexto para um novo post.
É fato que misturar a vida real com a digital é
um caminho sem volta. “No passado, havia uma
separação muito clara entre a vida presencial e
a digital. Hoje, isso não existe mais”, explica a
pesquisadora de tendências Clotilde Perez, pós-doutora em Design Thinking pela Stanford
University (EUA). “Se as pessoas estão presentes
nas redes sociais, é natural que as crianças
também estejam. Afinal, elas são parte da
sociedade”, completa.
Nem por isso é menos importante parar para
refletir sobre o que a exposição precoce de
crianças pode provocar. Elas ainda não têm
discernimento para escolher como (e se)
querem estar presentes no mundo virtual, mas
sofrerão os efeitos do que está nas redes no
futuro. Essa é uma situação à qual toda a sociedade está sujeita. “Tenho a impressão que
virou um diário coletivo. O que fazíamos na
intimidade, para guardar e mostrar aos filhos
quando crescessem, agora é público”, explica a
neuropsicóloga Deborah Moss, mestre em
Psicologia do Desenvolvimento pela
Universidade de São Paulo.
Mesmo que, hoje, as imagens que você posta do
seu filho não reverberem de forma negativa, no
futuro, dependendo do teor, elas podem se
tornar fonte de mal-estar, embaraço ou matéria
para bullying. Sim, aquela foto fofinha do seu
filho com bumbum de fora na praia ou
mostrando o sorriso banguela podem não ser
interpretadas por estranhos do jeito que você
gostaria. Por isso, para Rodrigo Nejim, diretor de
educação da ONG SaferNet, os pais precisam ter
em mente que a esfera pública da internet vai
além do círculo de familiares e amigos.
“Dizemos que expor na rede cenas comuns no
contexto familiar, como um primeiro banho,
acabam colocando seu filho na maior praça
pública do planeta”, alerta.
Outro ponto fundamental é que a postagem
dessas fotos pode ferir a autonomia das
crianças. Muitas não são nem consultadas pelos
pais. “É um equívoco menosprezar a opinião da
criança. A partir dos 3 ou 4 anos, ela já pode
dizer se gosta ou não de uma imagem e se quer
que seja compartilhada”, completa Nejim.
Naíma Saleh. Disponibilizado em
https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Com
portamento/noticia/2018/06/quem-deixou-voce-postar-isso.html. Acesso em: 24/05/2020
(fragmento adaptado)