NEM SEMPRE O SILÊNCIO É ESQUECIMENTO
Marcel Camargo
Ao contrário do que possa aparentar, muitas
vezes o silêncio tem muito a dizer, carregando
em seu aparente vazio uma intensidade tamanha
de sentimentos e de carga emocional muito mais
significativa do que enxurradas de palavras ou
gestos exacerbados. O silêncio pode acalmar, ferir,
amparar ou até mesmo violentar, às vezes trazendo
paz, outras vezes incitando tempestades - nem
sempre o silêncio é pacífico.
O silêncio pode ser revolta, rebeldia,
contrariedade contida. Nem sempre estamos
prontos para expressar nossos pontos de vista,
no sentido de verbalizar o que queremos, o que
temos aqui dentro. Assim, mesmo que estejamos
discordando de algo, silenciamos, pois nos falta
a coragem necessária para que nos libertemos
dessa prisão que nós próprios criamos, ou mesmo
porque sabemos que qualquer tentativa de diálogo
será inútil e cansativa naquele momento.
O silêncio também pode corresponder à
reflexão, a um turbilhão de pensamentos pulsando
dentro de nós. O pensamento e a fala devem
conviver harmonicamente, de forma que um não
atropele o outro, colocando-nos em situações
constrangedoras. Palavras, após proferidas, não
voltam mais, deixando suas marcas, muitas vezes
negativas, nas nossas vidas e nas dos ouvintes.
Pensar sobre o que se diz é necessário, pois, caso
possamos machucar alguém ou a nós mesmos,
sem razão, é preferível emudecer.
Às vezes, o silêncio é solidão, é vazio, solitude
doída e emudecida. Mesmo acompanhados,
ainda que em meio a muitas pessoas, podemos
estar solitários, sentindo-nos sem acolhida,
sem partilha, sem pertencimento. Como se não
fizéssemos parte da vida do outro, como se
fôssemos desimportantes, dispensáveis. Perdidos
nessa irrelevância emocional, ruímos por dentro,
minando nossa autoestima e nossa capacidade de
ser feliz.
Outras vezes, o silêncio é desistência. Há
momentos em que o mais prudente a se fazer é
desistir de algo, de alguém, de tentar convencer, de
querer amar, de clamar por atenção e reciprocidade.
Certas situações nos pedem que partamos para
outra, que canalizemos nossas forças e energias
em direção ao que nos trará contrapartida,
retirando-nos dos apelos vazios, da mendicância
afetiva, pelo bem de nossa saúde física e de nosso
equilíbrio emocional.
Silêncio, da mesma forma, pode significar
desapego, libertação, livramento de amarras
que nos impedem o caminhar tranquilo de nossa
jornada. Precisamos nos despedir de tudo aquilo
que pesa em nossos ombros, emperrando a
visualização serena das possibilidades que nos
aguarda o futuro. Temos que serenar a celeridade
que intranquiliza os nossos corações, jogando
fora bagagens sem as quais conseguiremos viver
melhor.
O silêncio muitas vezes é mágoa, ressentimento,
lamentação acumulada. Na impossibilidade de
encontrarmos coragem de vivermos nossas
verdades por inteiro, de refutarmos o que não
nos completa, tampouco nos define, de impormos
aquilo em que acreditamos, sufocamos nossos
sentimentos mais íntimos sob a infelicidade de
aparências condizentes com o que todo mundo
espera - exceto nós próprios. Nesses casos, o
calar-se equivale ao crepúsculo moroso de nossa
existência.
Felizmente, no entanto, o silêncio também pode
- e sempre o deveria - implicar felicidade, certezas,
convicção e força. Sabermos os momentos certos
para calarmos e guardarmos para nós aquilo que
pensamos nos salva de problemas dispensáveis
com gente que não significa nada na nossa vida.
Quando estamos seguros quanto ao que somos,
quanto aos nossos sonhos e planos de vida,
nenhum barulho é capaz de abalar as nossas
verdades, minimamente que seja. Quando o
silêncio guarda o que temos de mais precioso,
estamos então caminhando rumo ao alcance de
nossos sonhos, para que possamos dividi-los com
quem compartilhamos amor de verdade, e com
ninguém mais.
Adaptado de: <http://obviousmag.org/pensando_nessa_gente_da_
vida/2015/nem-sempre-o-silencio-e-esquecimento.html>.