Questões de Português - Denotação e Conotação para Concurso
Foram encontradas 1.728 questões
Todas as coisas cujos valores podem ser
Disputados no cuspe à distância
Servem para poesia
(...)
As coisas que não levam a nada
têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima
Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral
(...)
As coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia
Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia
(...)
BARROS, Manoel. Adaptado. In: Matéria de Poesia. São Paulo: LeYa, 2013. p. 9.
Manoel de Barros é considerado um dos principais poetas da literatura contemporânea. A partir da leitura do texto, assinale a alternativa CORRETA:
Considere as sentenças abaixo.
I. O domador conseguiu acalmar a fera.
II. Tudo ficou mais claro após a explicação do professor.
III. Clara é o sol de nossas vidas.
IV. A criança saiu da escola com a cara pintada.
V. Achei um barato andar de bicicleta na orla da praia.
Em quais períodos as palavras em destaque foram utilizadas no sentido denotativo:
A respeito da leitura da tirinha, analise as afirmativas a seguir:
I. A palavra nuvem está sendo empregada em sentido conotativo.
II. O pressuposto para o entendimento da tirinha é o conhecimento de que o Grilo Falante é personagem da história de Pinóquio.
III. A inferência comparativa entre as duas nuvens se comprova pela imagem e pelo texto do segundo quadrinho.
Assinale
OS SHORTINHOS E A FALTA DE DIÁLOGO
Li na coluna de Monica Bergamo na Folha da última sexta-feira (5) a reportagem "A crise dos shortinhos no colégio Rio Branco". Trata-se do seguinte: o uniforme dessa escola pede bermudas, mas as garotas querem usar shortinhos, pois não querem ser obrigadas a "sofrer em silêncio com o calor do verão", como afirmam em um abaixo-assinado intitulado "Liberdade aos shortinhos".
Os argumentos das jovens, contidos no texto do abaixo-assinado que li na internet, passam pelas exigências diferentes feitas pela escola aos meninos e às meninas, pela falta de recursos de algumas alunas para comprar uma calça que substituiria o shortinho vetado e pelo desrespeito dos meninos, que não sabem controlar seus hormônios, qualquer que seja a vestimenta das meninas.
Resumo da história: a direção insiste no uso do uniforme, e as jovens no uso do shortinho. Vale a pena, caro leitor, pensar a respeito desse que seria um conflito que representa muitos outros que ocorrem diariamente em todas as escolas, mas que já nasce como confronto. E quero destacar dois pontos para esta conversa.
Não é incrível que, mesmo depois do movimento de ocupação das escolas públicas de São Paulo e em outros Estados, nossas escolas continuem a ignorar a participação dos alunos, para que eles sintam de forma mais concreta que fazem parte dela? Eles precisam se sentir ativos e participativos na escola, e não somente atender às regras a eles impostas. Aliás, onde há regra, há transgressão, mas parece que as escolas não sabem o que fazer quando as transgressões ocorrem.
Por que as escolas não discutem o uso do uniforme com seus alunos, já que serão eles que o utilizarão? Algumas poucas escolas já fizeram isso e conseguiram adesão dos alunos que, inclusive, criaram as vestimentas que usam diariamente.
O segundo ponto que quero ressaltar é que a falta de diálogo e de administração de conflitos gera jovens que nem sequer conseguem elaborar argumentos sólidos, coerentes e bem fundamentados para suas idéias.
Faz parte do papel da escola ensinar os jovens a debater, defender pontos de vista, dialogar, argumentar e contra argumentar, mas sempre à luz do conhecimento.
Hoje, porém, os alunos podem falar qualquer bobagem, que famílias e escolas aceitam, não é?
Já testemunhei mães e pais aceitarem como argumento dos filhos para fazer algo com as explicações "porque todo mundo faz" ou "porque está na moda". Já vi mães e professores aceitarem as justificativas mais esfarrapadas dos mais novos para algo que fizeram ou aceitar desculpas deles sem que estes demonstrassem o menor sinal de arrependimento. Falar por falar: é isso o que temos ensinado aos jovens, mas que não deveríamos.
Precisamos honrar nosso papel de adultos e levar a relação com os mais novos com seriedade, mas sem sisudez. O bom humor no trato com eles é fundamental para que eles não ouçam tudo o que o adulto diz como um sermão, como afirmou a diretora-geral do colégio ao qual a reportagem citada se refere.
Rosely Sayão, jornal Folha de São Paulo, edição de 9/2/16.
Leia atentamente as frases abaixo.
I. “o uniforme dessa escola pede bermudas”.
II. “pela falta de recursos de algumas alunas para comprar uma calça”.
III. “Faz parte do papel da escola ensinar os jovens”.
Nos exemplos acima, os verbos sublinhados foram empregados em sentido literal em:
Aquário brasileiro busca revolucionar a biologia marinha
Inaugurado há cerca de nove meses na zona portuária do Rio de Janeiro (RJ), o maior aquário marinho da América do Sul já recebeu mais de 1,1 milhão de pessoas. Erguer o colosso de 150 milhões de reais levou dez anos de planejamento focado em três pilares: educação, pesquisa e conscientização. Com capacidade para receber até 8.000 animais, de 350 espécies, o AquaRio é também um grande centro de pesquisa. Atualmente, 15 estudos inéditos de universidades brasileiras estão sendo realizados no local, inclusive sobre a proteção a espécies ameaçadas. “Só é possível convencer as pessoas a proteger aquilo que elas conhecem — e o aquário oferece a experiência completa, integrada à divulgação da ciência”, conta o fundador e diretor-presidente, o biólogo Marcelo Szpilman.
A relação de Szpilman com o mar sempre foi intensa: nasceu perto da praia, no bairro de Copacabana, e adorava pescar com o pai. Aos 11 anos, começou a mergulhar. Mas foi James Bond que o levou a seguir carreira de biólogo com o lançamento do filme 007: O Espião que me Amava (1977), devido à icônica cena em que o inglês confronta o antagonista com seu conhecimento de espécies de peixes.
O filme não só inspirou Szpilman a estudar biologia como também o fez querer causar um impacto similar na vida das pessoas. Esses dois sonhos foram seu norte desde cedo. Primeiro, ele começou escrevendo livros — ao todo, tem cinco obras renomadas publicadas sobre identificação de peixes e tubarões e é reconhecido como um dos maiores especialistas brasileiros nesse tema.
Hoje ele colhe os frutos do bom trabalho no AquaRio. “Meu sonho é captar cada vez mais jovens brasileiros para a ciência. A maioria nunca viu um aquário e agora tem à disposição um equipamento de nível internacional”, orgulha-se. Todos os dias, mais de 1.000 crianças, de escolas públicas e privadas, passam por ali. “O AquaRio pode proporcionar esse ‘clique’ que eu tive a outros jovens. Já recebi várias mensagens de pessoas que resolveram estudar biologia após uma visita ao aquário. É muito gratificante.”
Com o perdão do trocadilho, Szpilman acredita que o AquaRio é um divisor de águas no Brasil. “Vamos criar um boom de aquários marinhos. Muitos já me contataram querendo fazer empreendimentos inspirados nele. E, mais do que isso, atualmente, 80% das pesquisas com animais marinhos feitas no mundo são realizadas em aquários”, relata. O próprio AquaRio, que é 100% privado, investe em pesquisas.
Um dos estudos realizados no AquaRio tem potencial para ser utilizado em curto prazo: trata-se de uma pesquisa para combater o branqueamento de corais. “O coral é um animal que vive em simbiose com as algas, que dão cor e nutrientes a ele. Com as mudanças climáticas e a elevação da temperatura dos oceanos, a alga morre. Sem a alga, o coral perde sua cor e também morre”, explica.
(veja.abril.com.br)
NASCE UMA MENINA
No dia em que nasci, as pessoas da nossa aldeia tiveram pena de minha mãe, e ninguém deu os parabéns a meu pai. Vim ao mundo durante a madrugada, quando a última estrela se apaga. Nós, pachtuns, consideramos esse um sinal auspicioso. Meu pai não tinha dinheiro para o hospital ou para uma parteira; então uma vizinha ajudou minha mãe. O primeiro bebê de meus pais foi natimorto, mas eu vim ao mundo chorando e dando pontapés. Nasci menina num lugar onde rifles são disparados em comemoração a um filho, ao passo que as filhas são escondidas atrás de cortinas, sendo seu papel na vida apenas fazer comida e procriar.
Para a maioria dos pachtuns, o dia em que nasce uma menina é considerado sombrio. O primo de meu pai, Jehan Sher Khan Yousafzai, foi um dos poucos a nos visitar para celebrar meu nascimento e até mesmo nos deu uma boa soma em dinheiro. Levou uma grande árvore genealógica que remontava até meu trisavô, e que mostrava apenas as linhas de descendência masculina. Meu pai, Ziauddin, é diferente da maior parte dos homens pachtuns. Pegou a árvore e riscou uma linha a partir de seu nome, no formato de um pirulito. Ao fim da linha escreveu “Malala”. O primo riu, atônito. Meu pai não se importou. (...)
Meu nome foi escolhido em homenagem a Malalai de Maiwand, a maior heroína do Afeganistão. Os pachtuns são um povo orgulhoso, composto de muitas tribos, dividido entre o Paquistão e o Afeganistão. Vivemos como há séculos, seguindo um código chamado Pachtunwali, que nos obriga a oferecer hospitalidade a todos e segundo o qual o valor mais importante é nang, a honra. A pior coisa que pode acontecer a um pachtum é a desonra. A vergonha é algo terrível para um homem pachtum. Temos um ditado: “Sem honra, o mundo não vale nada”.
YOUSAFZAI, MALALA; LAMB, CHRISTINA. Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013, pp. 21-22.
Analise o trecho:
“No dia em que nasci, as pessoas da nossa aldeia tiveram pena de minha mãe, e ninguém deu os parabéns a meu pai. Vim ao mundo durante a madrugada, quando a última estrela se apaga. Nós, pachtuns, consideramos esse um sinal auspicioso.”
Assinale a alternativa CORRETA.
Evitar campanhas de desinformação no Whatsapp pode ser uma tarefa hercúlea, principalmente em razão da criptografia que impede que terceiros acessem as mensagens. É o que explica Fabrício Benevenuto, professor de ciência da computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). ___________ frente do projeto Eleições Sem Fake, o acadêmico reconhece que mentiras podem ser espalhadas em qualquer meio, mas alguns fatores tornam o Whatsapp um terreno especialmente fértil ao boato.
Aliadas _________ descrença generalizada, as facilidades que acompanham o Whatsapp enchem os olhos de muita gente. Benevenuto comentou que diversas operadoras oferecem pacotes em que o uso do aplicativo é gratuito, mesmo que as pessoas não tenham internet para acessar outras plataformas. “Isso é perigoso no sentido de que a pessoa passa __________ ver notícia através do Whatsapp. O acesso _________ grande mídia é menor. A checagem de fatos também é menor. Para ler alguns sites, é preciso pagar; mas no aplicativo, a informação de má qualidade chega gratuita e incluída no plano.”
(https://epoca.globo.com. Adaptado)
Meu bem, meu mal
Na psicologia social, há uma definição de comportamento conhecida como “licença moral”. É o consentimento que autoriza as pessoas que praticam uma boa ação a compensá-la com o avesso. Dito de outro modo: quando alguém está certo de ter feito o bem, com compaixão e generosidade, pode sentir-se liberado para fazer o mal, com posturas egoístas, preconceituosas, antiéticas e – que surpresa! – até corruptas. No mundo corporativo, em que se aplaudem as companhias que cultivam valores morais e éticos, com doações e responsabilidade social, os desvios costumam cair como baldes de água fria e decepção – e estão longe de representar uma raridade. “No Brasil, muitas das empresas que são investigadas em esquemas de corrupção têm o seu instituto e sua fundação com ações filantrópicas, mas ao mesmo tempo estão envolvidas em conluio setorial, cartel implícito ou formas de ganhar recursos de bancos públicos”, diz o professor Sérgio Lazzarini, colunista de VEJA.
Esse fenômeno acaba de receber amparo acadêmico. Um trabalho realizado pelos economistas John List e Fatemeh Momeni, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, põe em xeque a tese da benevolência como uma postura inquebrantável. O estudo revela que trabalhar para uma empresa socialmente responsável pode motivar os empregados a agir de forma exatamente oposta em outras searas. Eles se tornam irresponsáveis, mais propensos a trapacear. Para os autores, o gesto de bondade deflagra uma espécie de crédito para praticar desvios em outros contextos.
Mas, afinal de contas, todas as pessoas que doam trapaceiam? É atávico? Não necessariamente. A construção psicológica que diz que, “se fiz um bem, posso então relaxar e fazer algo errado” não é aplicada a todos, de modo incondicional. Há regras morais claras, muitas vezes jogadas para debaixo do tapete, mas que nunca deixam de incomodar, silenciosamente. Diz a psicóloga e professora Denise Ramos: “Nenhum corrupto é inconsciente. A pessoa sempre sabe o que está fazendo”. O nó, descoberto pelos professores de Chicago, é que, numa brincadeira com o batido adágio, assim como não há mal que dure para sempre, também não há bem que se eternize. É uma pena. Mas é humano, demasiadamente humano.
(Natália Cuminale. Veja, 07.03.2018. Adaptado)
‘Me corrige’, pede o pronome
Uma das principais marcas do português brasileiro
permanece alijada da escrita
Me parece cada vez mais claro que o pronome átono em início de frase, como o que acabo de cometer, será o último dos últimos tabus normativos a ser quebrado pelo inexorável abrasileiramento da língua que se entende e se pratica como nossa norma culta.
É claro que me refiro à língua escrita. Sabe-se que, falando, a maior parte dos brasileiros iniciaria assim esta frase: “Se sabe que...”. Isso inclui pessoas de alta escolaridade e não exclui situações em que a comunicação prevê certa cerimônia.
No livro “Oficina de Texto”, um guia de redação sensatamente equilibrado entre tradição e modernidade, o linguista Carlos Alberto Faraco e o romancista Cristovão Tezza, colunista da Folha, escrevem o seguinte: “Resta praticamente uma única regra universal na colocação de pronomes da língua-padrão escrita: jamais comece uma sentença com pronome átono”.
Logo em seguida reconhecem que talvez esse não seja bem o único mandamento restante. Para poupar dor de cabeça com revisores e corretores de provas, dizem, vale a pena seguir também a regra “bastante duvidosa” das tais palavras atrativas, como “que”, “quando” e “não”, que sempre puxariam o pronome átono para junto de si.
No mais, Faraco e Tezza dão ao leitor a bússola de colocação pronominal que julgo definitiva: “Prefira a forma que soar melhor”. Se você é brasileiro, isso exclui quase certamente a mesóclise, além de limitar a lusitana ênclise. Nossa inclinação é naturalmente proclítica.
O gramático Manuel Said Ali (1861-1953) foi um pioneiro defensor da colocação de pronomes à moda da casa, contra o lusocentrismo dominante em sua época e ainda hoje presente na gramática normativa.
Argumentava que “a pronúncia brasileira diversifica da lusitana; daí resulta que a colocação pronominal em nosso falar espontâneo não coincide perfeitamente com a do falar dos portugueses”.
Tudo isso é lindo, mas convém ter sempre em mente o último tabu. Me faça o favor de contrariar sua fala e escrever “Faça-me o favor”, a menos que queira marcar uma posição. Se prepare, nesse caso, para as consequências.
(Sérgio Rodrigues, “‘Me corrige’, pede o pronome”. Em: Folha de S.Paulo, 02.08.2018. Adaptado)
Avalie as seguintes passagens do texto e assinale a alternativa cuja afirmação está correta em relação ao sentido, ao uso ou à substituição de determinados vocábulos.
1. anotando as entradas e saídas de dinheiro (l. 16-17).
2. no mês que vem querem faturar alto? (l. 23-24).
3. as empresas deixam de dar lucro (l. 41).
4. o empreendedor lutará com unhas e dentes (l. 43).
O homem cuja orelha cresceu
Estava escrevendo, sentiu a orelha pesada. Pensou que fosse cansaço, eram 11 da noite, estava fazendo hora extra. Escriturário de uma firma de tecidos, solteiro, 35 anos, ganhava pouco, reforçava com extras. Mas o peso foi aumentando e ele percebeu que as orelhas cresciam. Apavorado, passou a mão. Deviam ter uns dez centímetros. Eram moles, como de cachorro. Correu ao banheiro. As orelhas estavam na altura do ombro e continuavam crescendo. Ficou só olhando. Elas cresciam, chegavam à cintura. Finas, compridas, como fitas de came, enrugadas. Procurou uma tesoura, ia cortar a orelha, não importava que doesse. Mas não encontrou, as gavetas das moças estavam fechadas. O armário de material também. O melhor era correr para a pensão, se fechar, antes que não pudesse mais andar na rua. Se tivesse um amigo, ou namorada, iria mostrar o que estava acontecendo. Mas o escriturário não conhecia ninguém a não ser os colegas de escritório. Colegas, não amigos. Ele abriu a camisa, enfiou as orelhas para dentro. Enrolou uma toalha na cabeça, como se estivesse machucado.
Quando chegou na pensão, a orelha saía pela perna da calça. O escriturário tirou a roupa. Deitou-se, louco para dormir e esquecer. E se fosse ao médico? Um otorrinolaringologista. A esta hora da noite? Olhava o forro branco, incapaz de pensar, dormiu de desespero.
Ao acordar, viu aos pés da cama o monte de uns trinta centímetros de altura. A orelha crescera e se enrolara como cobra. Tentou se levantar. Difícil. Precisava segurar as orelhas enroladas. Pesavam. Ficou na cama. E sentia a orelha crescendo, com uma cosquinha. O sangue correndo para iá, os nervos, músculos, a pele se formando, rápido. Às quatro da tarde, toda a cama tinha sido tomada pela orelha. O escriturário sentia fome, sede. Às dez da noite, sua barriga roncava. A orelha tinha caído para fóra da cama. Dormiu.
Acordou no meio da noite com o barulhinho da orelha crescendo. Dormiu de novo e quando acordou na manhã seguinte, o quarto se enchera com a orelha. Ela estava em cima do guarda-roupa, embaixo da cama, na pia. E forçava a porta. Ao meio-dia, a orelha derrubou a porta, saiu pelo corredor. Duas horas mais tarde, encheu o corredor. Inundou a casa. Os hóspedes fugiram para a rua. Chamaram a polícia, o corpo de bombeiros. A orelha saiu para o quintal. Para a rua.
Vieram os açougueiros com facas, machados, serrotes. Os açougueiros trabalharam o dia inteiro cortando e amontoando. O prefeito mandou dar a carne aos pobres. Vieram os favelados, as organizações de assistência social, irmandades religiosas, donos de restaurantes, vendedores de churrasquinho na porta do estádio, donas de casa. Vinham com cestas, carrinhos, carroças, camionetas. Toda a população apanhou carne de orelha. Apareceu um administrador, trouxe sacos de plástico, higiênicos, organizou filas, fez uma distribuição racional.
E quando todos tinham levado carne para aquele dia e para os outros, começaram a estocar. Encheram silos, frigoríficos, geladeiras. Quando não havia mais onde estocar a carne de orelha, cham aram outras cidades. Vieram novos açougueiros. E a orelha crescia, era cortada e crescia, e os açougueiros trabalhavam. E vinham outros açougueiros. E os outros se cansavam. E a cidade não suportava mais carne de orelha. O povo pediu uma providência ao prefeito. E o prefeito ao governador. E o governador ao presidente.
E quando não havia solução, um menino, diante da rua cheia de carne de orelha, disse a um policial: “Por que ó senhor não mata o dono da orelha?”
(Ignácio de Loyoia Brandão, Os melhores contos de Ignácio de
Loyola Brandão. Seleção de Deonísio da Silva. São Paulo:
Global, 1993. p.135.)
[Um documentário britânico]
No início dos anos 1980, uma equipe da TV BBC britânica veio ao Brasil gravar um documentário sobre as condições de vida numa favela do Rio de Janeiro. A ideia era mostrar de forma hiper-reaiista, no melhor estilo “câmera invisível” da tradição anglo-americana de reportagem, um dia na vida de uma jovem favelada. A intenção era explorar ao máximo as chagas abertas e a penúria do dia a dia na favela, as condições aviltantes da vida no morro.
Acontece que a eleita para servir de fio condutor do programa personificava a negação viva de toda a carga de sombra e amargura que o registro clínico de seu cotidiano na favela nos faria esperar dela. A moça, porém, em meio à pobreza, irradiava uma energia alegre e espontânea, uma satisfação íntima consigo mesma e uma sensualidade exuberante que jamais se encontrariam numa inglesa de sua idade, não importando a classe social. Embora tivesse razões de sobra para queixar-se do destino e viver na mais espessa melancolia, ela esbanjava alegria de viver por todos os poros e arrancava luz das trevas com sua vitalidade interior.
Inesquecível é a cena em que a moça ia buscar água numa bica distante de casa e, para o desconcerto da equipe da BBC, voltava carregando o balde pesado equilibrado na cabeça e... cantando! A relação assim estabelecida entre o barraco pobre e objetivo e o alegre palácio interior dá o que pensar. Pelo menos terá feito pensar muito os jornalistas britânicos que vieram para fazer uma reportagem e fizeram outra.
(Adaptado de: GIANETTI, Eduardo. Trópicos utópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 160-161)
Esportes, negócios
Comecinho dos anos 60, nosso professor de educação física, um homem já encanecido (por isso, considerado um velho bem velho, na nossa perspectiva de adolescentes), não tinha dúvida em nos dizer: “Não briguem por causa de futebol. Futebol como esporte não existe mais, desde que se profissionalizou. Só fazia sentido quando todos eram amadores e jogavam só pelo prazer do jogo e pelo amor à camisa”. Era uma opinião radical, mas que nos fazia pensar em sua consistência.
Por certo o professor estava se referindo a experiências de sua meninice e adolescência, nos anos 30 e 40, quando o futebol ainda era uma espécie de arte pela arte, sem a intromissão decisiva dos chamados “interesses do mercado”. Às vezes acho que a nostalgia de meu professor tinha toda a razão de ser: era possível e desejável gostar de um esporte apenas pelas qualidades intrínsecas desse esporte.
Altos negócios no mundo das atrações de massa supõem muito dinheiro, plena visibilidade e excesso de celebração. Nada disso falta, hoje, aos esportes de alto rendimento que sejam também negociáveis, isto é, que constituam matéria de interesse para milhões de consumidores. Com isso, perde-se aquela dimensão de gratuidade que havia nos esportistas empenhados numa tarefa em que a competitividade não eliminava o prazer, que por sua vez não se rendia a poderosos empresários. “O que passou passou. / Jamais acenderás de novo / o lume / do tempo que passou”- já desabafou o poeta Ferreira Gullar, num momento de versos céticos. O que é uma pena, diria nosso velho professor de educação física.
(Jayme de Souto Albuquerque, inédito)
Leia o texto para responder à questão.
Pega e lê
... apesar dos periódicos atestados de óbito conferidos à literatura e a tudo a ela relacionado...
Assinale a alternativa que contém a análise correta com base no trecho.