Questões de Concurso
Sobre figuras de linguagem em português
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O cansaço democrático
Quem disse que a democracia era eterna? Ninguém. Mas palpita ainda no coração do homem civilizado a crença de que essa forma de governo estará entre nós até ao fim dos tempos.
Uma ideia tão otimista seria risível à luz da história do pensamento político. Platão é o exemplo mais extremo: a democracia faz parte de um movimento cíclico de regimes – e, para ele, é uma forma degenerada de governo.
Depois da democracia, haverá um tirano para pôr ordem no pardieiro; e, depois do tirano, haverá novamente uma aristocracia, que será suplantada por uma timocracia, que será suplantada por uma oligarquia, até a democracia regressar. Nada perdura.
É precisamente esse pensamento lúgubre que percorre uma moda editorial recente – livros sobre o fim, real ou imaginário, da democracia liberal.
Em seu recente “How Democracy Ends”, David Runciman lida com os contornos desse hipotético fim: se a democracia chegar ao seu termo, não teremos uma repetição da década de 1930, defende. Não teremos violência de massas, movimentos armados, tanques nas ruas. Vivemos em sociedades radicalmente diferentes – mais afluentes, envelhecidas, conectadas. E, além disso, conhecemos o preço da brutalidade autoritária e totalitária. As nostalgias reacionárias são coisa de jovens: eles desejam o que ignoram e ignoram o que desejam.
Mas se os “golpes tradicionais” são improváveis, há formas invisíveis de conseguir o mesmo objetivo: pela gradual suspensão da ordem legal; pelo recurso a eleições fraudulentas; pela marginalização dos freios e contrapesos do regime.
A democracia só sobrevive porque somos capazes de gerir as nossas frustrações quando os resultados nos são desfavoráveis. Essa tolerância diminui de ano para ano.
E diminui sob o chicote das redes sociais. Runciman acredita que o principal problema do mundo virtual está no poder praticamente ilimitado que os gigantes tecnológicos exercem sobre os usuários.
Pessoalmente, o meu temor é outro: o poder praticamente ilimitado que os usuários exercem sobre os poderes Executivo, Legislativo e até Judiciário. A democracia representativa, como a expressão sugere, sempre foi um compromisso feliz entre a vontade do povo e a capacidade dos mais preparados de filtrar as irracionalidades do povo.
O filtro perdeu-se com essa espécie de “democracia direta” que é exercida pela multidão sobre os agentes políticos.
Para que não restem dúvidas: não acredito em formas de governo eternas. Mas, até prova em contrário, a democracia liberal é o único regime que garante a liberdade política e a dignidade pessoal dos indivíduos, bem como a prosperidade sustentada das suas sociedades. A história ilustra a tese.
Mas a história do presente também nos mostra que cresce no Ocidente um certo “cansaço democrático”. E que partes crescentes do eleitorado, por ignorância ou desespero, estão dispostas a trocar a liberdade e a dignidade da democracia por expedientes mais radicais e securitários. Por quê?
Devolvo a palavra a David Runciman. Para o autor, a democracia disseminou-se nos últimos dois séculos porque havia uma narrativa aspiracional a cumprir.
Era necessário dar voz política a todos os cidadãos (pobres, mulheres, negros etc.) e integrá-los na mesma rede de direitos e deveres (a grande tarefa do pós-Segunda Guerra). Os Estados tinham ainda recursos materiais e institucionais para cumprir com razoável êxito esse programa. Eis a ironia: o cansaço democrático explica-se pelo sucesso da própria experiência democrática.
Ninguém sabe como será o futuro dessa experiência – para Runciman, a democracia vive a crise da meia-idade. Resta saber se essa crise destrói o casamento ou o torna mais forte.
É uma boa metáfora. Que convida a outra: o casamento só irá sobreviver se a maioria conseguir redescobrir, com novos olhos, as virtudes que permanecem no lar.
(João Pereira Coutinho. Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/>
TEXTO I
Mapa dos sonhos
A guerra devastou nosso país. Os prédios ruíram, viraram pó. Perdemos tudo o que tínhamos e fugimos de mãos vazias.
Percorremos um longo caminho, rumo ao leste, e chegamos a um país de verões quentes e invernos gelados, a uma cidade cujas casas eram de barro, palha e estrume de camelo, rodeada por estepes poeirentas, abrasadas pelo sol.
Fomos morar num quartinho, com um casal que não conhecíamos. Dormíamos no chão de terra batida. Eu não tinha brinquedos nem livros. E o pior: a comida era pouca.
Um dia, meu pai foi ao mercado comprar pão. A tarde foi caindo, e ele não voltava. Minha mãe e eu o esperávamos, preocupados e famintos. Já estava escurecendo quando ele chegou, trazendo um rolo de papel embaixo do braço.
– Comprei um mapa – anunciou, triunfante.
– Onde está o pão? – minha mãe perguntou.
– Comprei um mapa – ele repetiu.
Mamãe e eu não dissemos nada.
– Meu dinheiro só dava para comprar um pedaço minúsculo de pão, que não mataria nossa fome – ele explicou, se desculpando.
– Não temos nada para comer – minha mãe disse, amargurada.
– Em compensação, temos um mapa.
Fiquei furioso. Achei que não ia conseguir perdoá-lo, e fui para a cama com fome, enquanto o casal que morava conosco comia seu jantar minguado.
O marido era escritor. Ele escrevia em silêncio, mas fazia um barulhão danado quando mastigava. Mastigava uma casquinha de pão com o maior entusiasmo, como se fosse a guloseima mais deliciosa do mundo. Senti inveja do pão dele. Quem dera eu pudesse mastigá-lo! Cobri a cabeça com o cobertor para não ouvi-lo estalar os lábios com aquela satisfação tão barulhenta.
No dia seguinte, meu pai pendurou o mapa. Ele ocupou a parede inteira! Nosso quartinho sem graça inundou-se de cores.
Fiquei fascinado pelo mapa e passei horas olhando para ele, examinando cada detalhe. E durante muitos dias eu o desenhei em cada pedacinho de papel que me aparecia pela frente.
Eu encontrava nomes desconhecidos naquele mapa. Lia-os em voz alta, me deliciando com seu som estranho e usando-os para compor quadrinhas rimadas:
Fukuoka Takaoka Omsk,
Fukuyama Nagayama Tomsk,
Okasaki Miyasaki Pinsk,
Pensilvânia Transilvânia Minsk!
Eu repetia esses versos como uma fórmula mágica, e, sem nunca sair do quarto, me transportava para longe.
Aterrissei em desertos abrasadores.
Percorri praias, sentindo a areia entre os dedos dos pés.
Escalei montanhas nevadas onde o vento gelado me lambia o rosto.
Vi templos maravilhosos com esculturas de pedra dançando nas paredes e pássaros de todas as cores cantando nos telhados.
Atravessei pomares cheios de frutas, comi mamões e mangas até me fartar.
Bebi água fresquinha e descansei à sombra de palmeiras.
Cheguei a uma cidade de arranha-céus e tentei contar suas janelas. Eram tantas que caí no sono antes de acabar.
E assim passei horas de encantamento longe da fome e da miséria.
E perdoei meu pai. Afinal, ele fez a coisa certa.
Nota do autor: Nasci em Varsóvia, na Polônia. O bombardeio de Varsóvia aconteceu em 1939, quando eu tinha 4 anos. Lembro-me das ruas afundando, dos edifícios queimados ou desmoronando, virando pó, e de uma bomba que caiu no vão da escada do nosso prédio. Pouco depois, fugi da Polônia com minha família. Durante seis anos moramos na União Soviética, a maior parte do tempo na Ásia Central, na cidade de Turquestão, onde hoje é o Casaquistão. Por fim chegamos a Paris, em 1947, e nos mudamos para Israel em 1949. Vim para os Estados Unidos em 1959. A história desse livro é de quando eu tinha quatro ou cinco anos, nos primeiros tempos de nossa permanência no Turquestão. O mapa original se perdeu há muito tempo.
Vi templos maravilhosos com esculturas de pedra dançando nas paredes e pássaros de todas as cores cantando nos telhados.
Assinale a alternativa em que se repete a figura de linguagem que consta do trecho destacado.
TEXTO X
Aula de português
A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Boitempo: esquecer para lembrar. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 129.
“As figuras de linguagem podem atuar na área da semântica lexical, da construção gramatical, da associação cognitiva do pensamento ou da camada fônica da linguagem. Assim, temos o que tradicionalmente se denomina de figuras de palavras, figuras de construção (ou de sintaxe), de pensamento e figuras fônicas.” (AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2010, p. 484.)
No Texto X, a linguagem literária se faz presente e ganha força expressiva também com a utilização de algumas figuras de linguagem.
Assinale a alternativa que apresenta a correta relação entre o(s) verso(s) destacado(s) e as figuras de linguagem correspondentes.
TEXTO 3
Smartphones alteram a forma como cérebro conversa com seus dedos
Quantas vezes por dia você pega o telefone, dá uma olhadinha no Facebook, no Twitter, nas mensagens, no tempo, na agenda, nas fotos, nas músicas... ufa… E tudo isso de uma só vez!
Quando vai escrever e-mails, então, acaba passando uns bons minutos movimentando sem parar os polegares. Pois bem, esse movimento não era comum antigamente, e foi exatamente isso que levou neurocientistas da Universidade de Zurich a estudar a relação entre os dedos das mãos e o cérebro.
O estudo, publicado na revista científica CurrentBiology, aponta resultados curiosos sobre a plasticidade do órgão que controla o corpo humano, e revela que o tempo que você passa usando o smarphone afeta diretamente a forma como seu cérebro se adapta às necessidades diárias dos seus dedos. Quanto mais complicada a tecnologia, mais o cérebro se vira pra dar conta da tarefa. E você aí, achando que não ia conseguir acompanhar a evolução tecnológica…
(Disponível em: http://super.abril.com.br/blogs/supernovas/2014/12/25/smartphones-alteram-a-forma-como-o-cerebro-conversa-com-seus-dedos/.
Acesso em: 21 jul. 2016.)
TEXTO 2
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.
(FONSECA, Manuel da. Poemas Completos. Lisboa: Portugália, 1969.)
Ando muito completo de vazios. Meu órgão de morrer me predomina. Estou sem eternidades.
Assinale a alternativa na qual consta a figura de linguagem expressa no primeiro verso do poema (“Ando muito completo de vazios”):
A exemplo de toda a Europa, que viveu no Humanismo Renascentista um renovado interesse pelos textos clássicos – com ênfase na retórica, principalmente nas obras de Aristóteles, Cícero e Quintiliano –, também no Brasil, por influência de Portugal, a retórica foi muito difundida. Chegou aqui pelas mãos dos padres jesuítas, que vieram em 1549 e aqui permaneceram até 1759, ou seja, por 210 anos. Essa retórica aqui chegada, a mesma praticada à época em toda a Europa, caracteriza-se pelo que se costuma chamar de “ciceronianismo jesuítico”: os jesuítas confiam no poder da palavra, considerada um prolongamento da palavra divina.
Um importante testemunho do tipo de retórica trazida ao Brasil pelos jesuítas é o Sermão da Sexagésima, do Padre Antônio Vieira, em que o jesuíta defende que não se conseguem bons frutos com a palavra de Deus porque o pregador não sabe pregar, ou seja, não domina as estratégias da persuasão retórica. Nessa homilia, Vieira apresenta uma verdadeira aula de retórica:
“Há de tomar o pregador uma só matéria; há de defini-la, para que se conheça; há de dividi-la, para que se distinga; há de prová-la com a Escritura; há de declará-la com a razão; há de confirmá-la com o exemplo; há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há de responder às dúvidas, há de satisfazer as dificuldades; há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.”
(Adaptado de: MENDES, E. A. de M. “A retórica no Brasil: Um pouco da história”, Revista Latinoamericana de Retórica, mar. 2013, v. 1, n. 1,
pp. 43-57)
Texto
O menino parado no sinal de trânsito vem em minha direção e pede esmola. Eu preferia que ele não viesse. [...] Sua paisagem é a mesma que a nossa: a esquina, os meios-fios, os postes. Mas ele se move em outro mapa, outro diagrama. Seus pontos de referência são outros.
Como não tem nada, pode ver tudo. Vive num grande playground, onde pode brincar com tudo, desde que “de fora”. O menino de rua só pode brincar no espaço “entre” as coisas. Ele está fora do carro, fora da loja, fora do restaurante. A cidade é uma grande vitrine de impossibilidades. [...] Seu ponto de vista é o contrário do intelectual: ele não vê o conjunto nem tira conclusões históricas – só detalhes interessam. O conceito de tempo para ele é diferente do nosso. Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos não se somam, não armazenam memórias. Só coisas “importantes”: “Está na hora do português da lanchonete despejar o lixo...” ou “estão dormindo no meu caixote...”[...]
Se não sentir fome ou dor, ele curte. Acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga pedindo dinheiro. Ele se acha normal; nós é que ficamos anormais com a sua presença.
(JABOR, A. O menino está fora da paisagem. O Estado de São
Paulo, São Paulo, 14 abr. 2009. Caderno 2, p. D 10)
“Por que não te retiras da vida como um comensal já satisfeito, ou te concedes serenamente um tranquilo repouso?”
É correto afirmar que a oração destacada nessa passagem foi utilizada em sentido
Leia o Texto 1 para responder à questão.
Texto 1
O assalto
1 A casa luxuosa no Leblon é guardada por um molosso de feia catadura, que dorme de olhos abertos, ou talvez nem durma, de tão vigilante. Por isso, a família vive tranquila e nunca se teve notícia de assalto a residência tão bem protegida. Até a semana passada.
2 Na noite de quinta-feira, um homem conseguiu abrir o pesado portão de ferro e penetrar no jardim. Ia fazer o mesmo com a porta da casa, quando o cachorro, que muito de astúcia o deixara chegar até lá, para acender-lhe o clarão de esperança e depois arrancar-lhe toda ilusão, avançou contra ele, abocanhando-lhe a perna esquerda. O ladrão quis sacar do revólver, mas não teve tempo para isto. Caindo ao chão, sob as patas do inimigo, suplicoulhe com os olhos que o deixasse viver, e com a boca prometeu que nunca mais tentaria assaltar aquela casa. Falou em voz baixa, para não despertar os moradores, temendo que se agravasse a situação.
3 O animal pareceu compreender a súplica do ladrão e deixou-o sair em estado deplorável. No jardim ficou um pedaço de calça.
4 No dia seguinte, a empregada não entendeu bem por que uma voz, pelo telefone, disse que era da Saúde Pública e indagou se o cão era vacinado. Nesse momento, o cão estava junto da doméstica e abanou o rabo, afirmativamente.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1981.
No verso “Que eu te tasco a ‘Maria da Penha’” (verso 39), operou-se uma substituição de termos em função da existência de uma relação de contiguidade.
Esse procedimento retórico recebe o nome de
TEXTO II
PORÉM IGUALMENTE
É uma santa. Diziam os vizinhos. E D. Eulália apanhando.
É um anjo. Diziam os parentes. E D. Eulália sangrando.
Porém igualmente se surpreenderam na noite em que, mais bêbado que de costume, o marido, depois de surrála, jogou-a pela janela, e D. Eulália rompeu em asas o voo de sua trajetória.
COLASANTI, Marina. Um espinho de Marfim & outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 44.
No trecho "e D. Eulália rompeu em asas o voo de sua trajetória", observa-se um eufemismo da ideia de morte.
Tal figura de linguagem está relacionada semanticamente à ideia expressa pelos vocábulos
TEXTO III
VOZES – MULHERES
Leia o texto a seguir para responder à questão.
Instrução: A questão refere-se ao texto abaixo.
I - Discurso direto. II - Intertextualidade. III- Figuras de linguagem.
Quais destas estratégias textuais foram mobilizadas para os fins retóricos do texto?