Questões de Concurso
Sobre fonologia em português
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Meu filho e seus ídolos
Todas as épocas têm os seus ídolos juvenis. Principalmente depois do fenômeno da comunicação de massa, pessoas como James Dean ou Elvis Presley, para falar de astros de outros tempos, ou como Sandy e Junior e os Backstreet Boys, fenômenos mais recentes, arrastam multidões de jovens aos seus shows. E não só isso. Além de frequentarem os shows, os jovens são capazes de atitudes muito mais drásticas, como passar dias em uma fila para comprar ingresso, fazer plantão na frente do hotel ou da casa do cantor simplesmente para dar uma olhadinha a distância. Em casa, as paredes do quarto são forradas de pôsteres, revistas são consumidas aos milhares, álbuns são confeccionados com devoção e programas de TV são ansiosamente esperados apenas para assistir a uma rápida aparição do ídolo.
Muitos pais se perguntam: o que essas pessoas têm de tão especial para atrair a atenção de tantos jovens? A primeira e mais óbvia resposta é que todos esses astros, mais do que qualquer outro mortal, detêm objetos de desejo de nossa cultura ocidental, como fama, sucesso, beleza, dinheiro etc. Isso, porém, não justificaria as atitudes que os adolescentes são capazes de tomar em relação a cantores, atores ou jogadores de futebol. Se a tietagem se justificasse apenas pela admiração de certas características dos artistas (como a beleza, por exemplo), esse comportamento de fã não pareceria tão restrito à juventude. Isso pode nos indicar que esse fenômeno tem a ver com a própria adolescência.
A adolescência traz desafios importantes para o jovem. Além de ser uma fase em que deixamos de ser criança e nos preparamos para a vida adulta, a convivência social tem um grande peso. Por vezes, aos olhos dos pais, os filhos dão mais importância aos amigos e suas opiniões do que à própria família. Não é incomum ouvir pais de adolescentes reclamando que os filhos só ouvem, vestem, assistem e gostam daquilo que os amigos ouvem, vestem, assistem e gostam. O que os pais têm dificuldade de entender são as transformações típicas que se operam nessa fase. O preparo para a vida adulta envolve uma espécie de libertação das opiniões familiares. É como se o jovem tivesse uma necessidade de se desligar daquela dependência infantil e encontrar sua própria identidade. Onde encontrar essa identidade? Primeiro, no grupo social mais próximo, ou seja, nos amigos. Depois, em outras pessoas. E é aí que entram os ídolos da juventude.
Essas pessoas famosas representam uma série de características valorizadas pelos adolescentes: às vezes a rebeldia ou a aparente independência; às vezes a beleza ou a fama. Além de representarem esses valores, os ídolos parecem, aos olhos do fã, pessoas que conseguem materializar seus sonhos, que conseguem tudo o que querem. Por isso esse interesse fora do comum por tudo que se passa com eles.
Sob esse ponto de vista, ter ídolos é algo absolutamente normal. Torna-se preocupante, no entanto, quando esse interesse passa a ser o foco central do adolescente, quando a sua vida gira completamente em torno do seu ídolo e ser fã passa a ser a sua principal e única ocupação. Nesses casos, é importante que os pais estejam atentos para impedir que a admiração do filho vire uma obsessão e ajudá-lo a lidar de forma mais saudável com a admiração que sente por alguma pessoa famosa.
Porém, quando esse interesse não interfere na vida do adolescente, não há por que se preocupar. Pode ser até uma oportunidade para que os pais conheçam melhor seus filhos. Discutir sobre os gostos, os desejos, enfim, as preferências dos adolescentes nessa fase pode ser uma experiência muito rica para os pais. Até porque quem de nós nunca teve seu ídolo?
(DELY, Paula. Meu filho e seus ídolos. Disponível em: http://www.aprendebrasil.com.br/falecom/psicologa_artigo027.asp.
Acesso em: 05/07/2011. Adaptado.)
A criança precisa exercitar paciência, esforço e outros
pequenos sofrimentos para se desenvolver
Quem tem filhos com idade entre seis e 12 anos, mais ou menos, precisa pensar seriamente que, nessa fase da vida, o importante é crescer.
Tem sido muito difícil para essas crianças encontrar oportunidades que as ajudem durante esse processo, porque temos escolhido, muitas vezes, impedir que isso aconteça na hora certa.
Temos atrapalhado o crescimento dos nossos filhos, esse é o fato.
Tomemos como exemplo uma parte importante da experiência das crianças nessa fase, e que deveria ser a sua grande chance de crescimento: a vida escolar.
Primeiramente, vamos entender os motivos disso. É a partir dos seis, dos sete anos que a criança inicia o período escolar, um processo que deve possibilitar a ela, progressivamente, o acesso aos códigos que, por sua vez, lhe permitirão decifrar o mundo adulto.
Aprender a trabalhar com as letras e os números, com um grau cada vez maior de complexidade, é o que oferece à criança a ferramenta necessária para que ela comece a fazer a sua leitura de mundo, no mais amplo sentido que essa expressão possa ter.
Mas, ainda, com o necessário apoio dos adultos, é importante ressaltar.
Essa nova aquisição possibilita, por sua vez, que a criança ganhe condições de começar a andar com suas próprias pernas.
Até então, vamos lembrar, seus passos eram dirigidos por seus pais ou por outros adultos que acompanhavam de perto sua vida.
Junto com o entendimento mais bem informado do funcionamento do mundo e da compreensão de como a vida é, experiências novas surgem, é claro.
Pequenos deveres e responsabilidades, por exemplo, passam a recair sobre a criança. Novas dificuldades e exigências também fazem com que a criança tenha de exercitar o que antes não precisava, porque cabia ao adulto: paciência, esforço, concentração, espera, superação, entre outros.
O que fazemos nessas horas? Em vez de apoiar a criança, encorajá-la nessa sua nova empreitada, ampará- la em seus inevitáveis, mas ainda pequenos sofrimentos, achamos necessário fazer tudo isso por ela.
De quem é hoje a responsabilidade pela vida escolar dessas crianças? Delas? Dificilmente. São os pais quem tem assumido essa parte da vida por elas, devidamente incentivados pela escola e pela sociedade de uma maneira geral.
E por vida escolar vamos entender tudo o que diz respeito ao período passado na escola: desde a árdua batalha pela aquisição do conhecimento até o convívio com colegas e professores naquele espaço.
Tem sido dever dos pais, por exemplo, o acompanhamento da realização do trabalho escolar que deve ser feito em casa.
É dos pais também a preocupação com o rendimento e o desenvolvimento no processo da aprendizagem do filho, bem como o monitoramento do comportamento da criança no espaço escolar.
E o que dizer então a respeito da frustração ao não ser convidado para uma festa ou à experiência de isolamento na hora do recreio?
Tudo isso e ainda mais os pais querem (ou são pressionados a) administrar na vida de seus filhos, nessa segunda e última parte da infância deles. E eles têm assumido tudo isso com orgulho, vamos reconhecer.
Resultado? A criança permanece aprisionada nesse mundo ilusório e mágico em que sempre tudo termina bem, e nunca por sua própria intervenção.
Desse modo, ela não cresce, não desenvolve o seu potencial, tampouco reconhece esse potencial, enfim: não se encontra. Melhor dizendo: ela se encontra sempre na condição de criança, até o dia em que terá de enfrentar o tédio que isso é.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?"
Fonte:(Publifolha) www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=441
A fragilidade da vida
A ideia de que a vida é frágil demais nos assusta .......... cada instante!
Remete-nos à reflexão importante sobre o modo de ser do homem contemporâneo. Este homem que trabalha, trabalha e trabalha e que nunca se encontra realizado profissionalmente, vivendo em uma busca constante, em sua __________ profissional e pessoal. Cada vez mais vivemos numa sociedade da técnica, sociedade esta, digitalizada, em que tudo parece previsível, passível de transformação numérica. E é justamente no íntimo dessa convicção sobre o exato, que o inesperado faz sua intromissão devastadora, deixando marcas na história da humanidade. Na forma brutal, de um acidente fatal, onde a morte aproxima-se no recôndito do corpo de pessoas que estavam em um avião, que se abate sobre um edifício, causando-nos tamanha perplexidade e um sentimento enorme de impotência.
O desenvolvimento científico dos últimos anos, em progressão geométrica, __________ criado condições para uma vida saudável e uma idade avançada, um prolongamento da expectativa de vida que não conhecíamos .......... alguns poucos decênios passados. Somos com isso induzidos a uma segurança absoluta. O __________ torna-se permanente até que o inesperado acontece e leva-nos .......... ter uma nova concepção de vida. O tempo tem nova dimensão na velocidade dos acontecimentos que passam por nós numa sucessão ininterrupta, tudo reduzindo ao instante presente como se fosse eterno. Os dias não __________ fim com o por do sol, prolongando-se pelas noites que se estendem até o raiar do sol.
No entanto, apesar de tudo isso, é terrível constatar que a vida humana é muito frágil. Nossos dias passam velozes. Não nos adianta toda a segurança do mundo, toda a riqueza e poder. Estamos sujeitos sempre aos incômodos, incluindo-se as doenças e .......... morte. Portanto, devemos viver nossos dias com sabedoria, pois, a vida é uma só, uma única e poderosa oportunidade para realizarmos projetos grandiosos e enobrecedores, capazes de produzir efeitos enriquecedores nos outros e principalmente em nós mesmos. Para isso, olhe ao seu redor, perceba o reflexo que causa nos demais, perceba como se sente perante os mesmos e todos os dias perante você próprio. Faça uma autoanálise de como está vivendo.
O que me fez ficar pensando hoje foi o fato de a vida ser tão frágil. Em um momento estamos aqui bem, e em outro, em um piscar de olhos, não estamos mais. Tal fato contribuiu e muito para que eu refletisse e decidisse a viver cada momento, aproveitar cada oportunidade, ficar junto de quem gosto o máximo de tempo possível. Sei que é difícil, mas acho que tenho que parar de esperar que as coisas melhorem, que o trabalho diminua, que eu tenha mais dinheiro, que eu encontre um grande amor para aproveitar o que a vida está me oferecendo agora.
Não sei se estarei aqui daqui a um dia, daqui a um mês, daqui a um ano. Estarei aqui o tempo que me for permitido e quero que esse seja o melhor tempo de todos.
(Marizete Furbino – disponível em www.portaldafamilia.org/artigos - adaptado)
( ) A separação silábica da palavra “ininterrupta" é: i-nin-ter-rup-ta
( ) As palavras “coisas" e “dinheiro" apresentam hiato.
( ) As palavras “progressão" e “enriquecedores" apresentam dígrafo.
( ) A palavra “numa" é resultado da contração da preposição “em" com o artigo indefinido “uma".
A sequência correta, de cima para baixo, é:
Ela está deitada, morrendo. Lídia Maiyu jaz encolhida ao pé da fogueira do acampamento, dentro de uma caverna. Pernas e braços são meros gravetos, os olhos estão esbugalhados com a apreensão da morte. Tosse, seu corpo se ____________ e ela chora de dor. Lídia tem uns 15 anos – não sabe ao certo. _______ meses antes ela deu à luz, e o bebê morreu. O grupo deixou o corpo em uma caverna e mudou-se. Pasu Aiyo, o marido de Lídia, me diz que é assim que se faz. “Quando você fica doente, ou melhora ou morre", sentencia.
A escuridão é impenetrável, exceto pelo fulgor da fogueira. Não há estrelas, como se fosse demais contar com elas. Em vez disso, chove forte fora do abrigo na saliência da rocha, e ondas de água estapeiam incansáveis as gigantescas frondes da selva. Parece que sempre chove à noite nas montanhas de Papua – Nova Guiné. É por isso que Lídia e os que restam do seu povo buscam ___________ nas rochas: são secas. As cavernas ficam no alto de penhascos, e o acesso a elas às vezes requer uma traiçoeira escalada por cipós. São também uma fortaleza natural que em outros tempos protegia os povos das cavernas de seus inimigos: caçadores de cabeça, canibais e ladrões de noivas. Mas isso foi em gerações passadas. Agora seus inimigos são menos violentos, embora não menos mortais: malária e tuberculose.
Pasu, o marido de Lídia, enxota o cão de caça, e se senta ao pé do fogo. __________ sua tanga de folhas e deita a cabeça de Lídia em seu colo. Pálida, ela olha para ele com grande esforço. Pasu, muito sério, pede para seu irmão que nos pergunte se há alguma coisa que possamos fazer por ela.
Um membro da nossa equipe de pesquisa, que fez treinamento para atendimento médico para urgências, examina Lídia e constata que ela tem os pulmões cheios de líquido, o coração está disparado, com 140 batimentos por minuto, e a febre bate nos 40 graus. Diagnostica uma provável pneumonia grave, e dá a Lídia doses duplas de antibiótico e Tylenol. “Conseguimos convencê-la a tomar uma xícara de água esterilizada com açúcar e sal, a deixamos sentada nos braços do marido para que possa respirar melhor a noite e sugerimos que ao amanhecer seja levada das montanhas, descendo o rio, até uma clínica do vilarejo", numa tentativa de salvar mais uma vida desses povos das cavernas.
(Revista National Geographic - adaptado)
Escrever sobre homens e poder seria de um óbvio ululante. O poder transforma, e nem sempre para melhor. É preciso saber lidar com ele, para que não nos deforme. A pergunta sobre como as mulheres exercem cargos de mando tem várias respostas, e eu já fiz o teste: desde “estão maravilhosas”, “estão poderosas”, até “andam muito loucas, mandonas demais”. Mulheres são gente: seres humanos, complexos e desvalidos como todos. A vida é que andou se complicando muito desde que mulheres (tão poucas, ainda!) começaram a assumir algum poder. A velocidade com que as mudanças sociais acontecem hoje é perturbadora e, embora nossos avós também dissessem “Nossa! Como este ano passou rápido!”, hoje nossa vida se transforma em mera correria se a gente não cuidar. [...]
Com o poder acontece o mesmo que ocorre com o tempo: ou o transformamos em nosso bicho de estimação ou ele nos devora. [...] Já que mulheres no poder são quase uma novidade, é sobre isso que me interessa refletir aqui. Não faz tanto tempo que começamos a assumir funções de ministra, prefeita, governadora, cientista, motorista de táxi e ônibus, reitora, e tantas outras. [...] Sendo pioneiras, e sem modelos a seguir, a quem deveríamos recorrer, em quem nos inspirar à frente do país, do ministério, dos empregados da estância, dos colegas lidando com grandes máquinas agrícolas ou à frente de sindicatos? Restava‐nos a imagem dos homens.
Algumas pensaram em igualar‐se a eles, com jeitos e trejeitos de capataz furioso ou comandante carrancudo, isto é, virando a caricatura de homens poderosos. Pior que eles, por estarem inseguras, sendo prepotentes. Outras tentaram disfarçar esse poder com exageros de sedução: muitas foram educadas para agradar, não para mandar, e o espectro da mulher sozinha existe. De um homem sozinho, dizem que está “aproveitando a vida”, mas da mulher sozinha eventualmente se comenta: “Coitada, ninguém a quis”. E não adianta reclamar: essa é uma realidade burra, um preconceito idiota, mas não falecido. Com todo esse dilema, corre‐se em busca de um “jeito feminino de exercer o poder”. Isso existe? Tem de ser buscado? E o que será, afinal: um jeito delicado, doce ou cor‐de‐rosa? Que os deuses nos livrem disso. Talvez seja apenas um jeito humano, pois é o que todos somos: cheios de fragilidade e força, de qualidades e defeitos, todos em última análise com medo de não ser atendidos. [...]
O mais positivo pode ser as mulheres, sobre as quais especialmente escrevo, tentarem ser naturais. Nem ir ao posto de comando vestidas de freira ou militar, cheias de convencionalismos, ar gélido e voz de metal, nem sedutoras por medo de perder a feminilidade (seja lá o que pensam que isso é). Ser apenas uma pessoa a quem o poder foi dado pela sorte, pelo destino, pelo mérito (o melhor de todos), por algum concurso, enfim, pelos caminhos da profissão, e tentar fazer isso da melhor forma possível. Para exercer o poder não é preciso nem beleza nem feiúra, nem coisa alguma além de preparo e capacidade, humanidade, ética, honradez, informação, entendimento do outro, respeito pelo outro para que ele também nos respeite. Para homens e mulheres o comando é difícil, é solitário. E, acreditem, exige cuidado: porque, se pode ajudar, pode também contaminar. Nada melhor do que agir com simplicidade, lucidez e alguma bem‐humorada autocrítica, em qualquer posto e em qualquer circunstância desta nossa vida.
Socorrinho
Moço, não, sua mão, suando, grito no semáforo, em contramão, suada, pelos carros, sobre os carros, carros, moço, não, viu sua mãe e a cidade, nervosa, avançando o meio-dia, dia de calor, calor enorme, ninguém que avista, Socorrinho, algumas __________, céu de gasolina, ozônio, cheiro de álcool, moço, não, parecido sonho ruim, dor de dente, comprimido, pernilongo, extração de ouvido, o ônibus elétrico, esquinas em choques, paralelepípedos, viagens que não conhece – hoje desaparecida menina de seis anos, ou sete, trajada de camiseta, sapatinhos ou chinelos, fita crespa no cabelo, azul forte ou infinito, moço, não, aquele grito franzino, miúdo, a polícia que alega _________, magia negra, sequestro, mastiga um fósforo, a mãe de Socorrinho acende velas, incensos, chorando a Deus justiça divina, justiça duvidosa, viver agora o que seria se já não era, se por um descuido já se foi um dia sem ela, dois, Socorrinho, céus e preces, moço, não, Maria do Socorro Alves da Costa, mulatinha, sumiu misteriosa, diz uma testemunha que um negro levou sua filha embora, revolta da família, vizinho, jornal, televisão, igreja, depois de dois meses, moço, não, boneca, foto de batizado, festinha de bairro, tudo que pudesse trazer Socorrinho de volta para a memória, peito, o quarto morto, as horas puxando apreensão, suor, desesperança, batida de polícia em favelas, rodoviárias, botecos, matagais, tudo isso feito e desfeito, a mãe de Socorrinho ouvia boatos, silenciava à base de comprimidos, o marido já enlouquecido e internado, que __________, agonia de cidade, moço, não, gente ruim, sem sentimento, pra que deixar sofrendo a mãe humilde, o bairro, a câmera de TV que treme aquela realidade de cão, mundo cachorro, já noitinha de outra noite, mais outra, notícia mais nenhuma, nunca, Socorrinho desaparecida, amor quando vai embora, quando vira fé, chamado, súplica, saudade, a filha fosse devolvida, a felicidade, moço, não, gritava três meses, cinco, infinitamente, crônica policial, fichário, esquecida realidade, extraí-la do sonho para sempre, no horizonte, trajada de camiseta, sapatinhos ou chinelo, descalça, fita crespa no cabelo, azul forte ou infinito, moço, não, descaso, não escuto, moço, não, quero ir pra casa, não, moço, não, o homem arreava as calças, mais o grito, moço, não, não, Socorrinho chorava, Socorrinho esperneava, Socorrinho mais não entendia aquele mundo estranho, aquele desmaio de anjo.
Angu de sangue. São Paulo, Ateliê, 2000.
1º No mundo corporativo, há algo vagamente conhecido como “processo decisório", que são aqueles insondáveis critérios adotados pela alta direção da empresa para chegar ____ decisões que o funcionário não consegue entender. Tudo começa com a própria origem da palavra “decisão", que se formou ____ partir do verbo latino caedere (cortar). Dependendo do prefixo que se utiliza, a palavra assume um significado diferente: “incisão" é cortar dentro, “rescisão" é cortar de novo, “concisão" é o que já foi cortado, e assim por diante. E dis caedere, de onde veio “decisão" significa “cortar fora". Decidir é, portanto, extirpar de uma situação tudo o que está atrapalhando e ficar com o que interessa.
2º E, por falar em cortar, todo mundo já deve ter ouvido a célebre história do não menos célebre rei Salomão, mas permitam-me recontá-la, transportando os acontecimentos para uma empresa moderna. Então, está um dia o rei Salomão em seu palácio quando duas mulheres são introduzidas na sala do trono. Aos berros e puxões de cabelo, as duas disputam a maternidade de uma criança recém-nascida. Ambas possuem argumentos sólidos: testemunhos da gravidez recente, depoimentos das parteiras, certidões de nascimento. Mas, obviamente, uma das duas está mentindo: havia perdido o seu bebê e, para compensar a dor, surrupiara o filho da outra.
3º Então Salomão, em sua sabedoria, chama um guarda, manda-o cortar a criança ao meio e dar metade para cada uma das reclamantes. Diante da catástrofe iminente, a verdadeira mãe suplica: “Não! Se for assim, ó meu Senhor, dê a criança inteira viva ____ outra!", enquanto a falsa mãe faz aquela cada de “tudo bem, corta aí". Pronto. Salomão manda entregar o bebê ____ mãe em pânico, e a história se encerra com essa salomônica demonstração de conhecimento da natureza humana.
4º Mas isso aconteceu antigamente. Se fosse hoje, com certeza as duas mulheres optariam pela primeira alternativa (porque ambas teriam feito um curso de Tomada de Decisões). Aí é que entram os processos decisórios dos salomões corporativos. Um gerente Salomão perguntaria à mãe putativa A: “Se eu lhe der esse menino, ó mulher, o que dele esperas no futuro?" E ela diria? “Quero que ele cresça com liberdade, que aprenda a cantar com os pássaros e que possa viver 100 anos de felicidade". E a mesma pergunta seria feita à mãe putativa B, que de pronto responderia: “Que o menino cresça forte e obediente e que possa um dia, por Vossa glória e pela glória de Vosso reino, morrer no campo de batalha". Então, sem piscar, o gerente Salomão ordenaria que o bebê fosse entregue à mãe putativa B.
5º Por quê? Porque na salomônica lógica das empresas, a decisão dificilmente favorece o funcionário que tem o argumento mais racional, mais sensato, mais justo ou mais humano. A balança sempre pende para os putativos que trazem mais benefícios para o sistema.
Max Gehringer, Revista Você S. A. Ano 5. Edição 43. São Paulo, Abril, jan./2002. P. 106.