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Q2800180 Português

Texto I


Quindins


asdQuando sentiu que ia morrer, o Dr. Ariosto pediu para falar a sós com a mulher, dona Quiléia (Quequé).

asd- Senta aí, Quequé.

asdEla sentou na beira da cama. Protestou, chorosa, quando o marido disse que sabia que estava no fim. Mas o Dr. Ariosto a acalmou. Os dois sabiam que ele tinha pouco tempo de vida e era melhor que enfrentassem a situação sem drama. Precisava contar uma coisa à mulher. Para morrerem paz. Contou, então, que tinha outra família.

asd- O quê, Ariosto?!

asdTinha. Pronto. Outra mulher, outros filhos, até outros netos. A dona Quiléia iria saber de qualquer maneira, pois ele incluíra a outra família no seu testamento. Mas tinha decidido contar ele mesmo. De viva, por assim dizer, voz. Para que não ficasse aquela mentira entre eles. E para que dona Quiléia fosse tolerante com a sua memória e com a outra. Promete, Quequé? Dona Quiléia chorava muito. Só pôde fazer “sim” com a cabeça. Aliviado, o Dr. Ariosto deixou a cabeça cair no travesseiro. Podia morrer em paz.

asdMas aconteceu o seguinte: não morreu. Teve uma melhora surpreendente, que os médicos não souberam explicar e que Dona Quiléia atribui à promessa que fizera a seu santo. Em poucas semanas, estava fora de cama. Ainda precisa de cuidados, é claro. Dona Quiléia tem que regular sua alimentação, dar remédio na hora certa... Ficam os dois sentados na sala, olhando a televisão, em silêncio. Um silêncio constrangido. O Dr. Ariosto arrependido de ter feito a confissão. A Dona Quiléia achando que não fica bem se aproveitar de uma revelação que o homem fez, afinal, no seu leito de morte. Simplesmente não tocam no assunto. No outro dia o Dr. Ariosto teve permissão do médico para sair, pela primeira vez, de casa. Arrumou-se. Pediu para chamarem um táxi.

asd- Quer que eu vá com você? - perguntou a mulher.

asd- Não precisa. - Você demora?

asd- Não, não. Vou só...

asdNão completou a frase. Ficaram mais alguns instantes na porta, em silêncio. Depois ele disse:

asd- Bom. Tchau.

asd- Tchau.

asdAgora, tem uma coisa: Dona Quiléia não pagou a promessa ao santo. Ainda compra quindins escondido e os come sozinha. Aliás, deu para comer quindões. Grandes, enormes, translúcidos quindões.

(Luis Fernando Veríssimo)

O texto explora uma situação inicialmente trágica, à qual é conferido humor por meio do seguinte fato:

Alternativas
Q2800134 Português

O NARIZ



Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma sólida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço — sempre almoçava em casa— com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.

— O que é isso? — perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.

— Isto o quê?

— Esse nariz.

— Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.

— Logo você, papai...

Depois do almoço ele foi recostar- se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.

— Tire esse negócio.

— Por quê?

— Brincadeira tem hora.

— Mas isto não é brincadeira.

Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta.

A mulher interpelou:

— Aonde é que você vai?

— Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.

— Mas com esse nariz?

— Eu não compreendo você — disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. — Se fosse uma gravata nova, você não diria nada. Só porque é um nariz...

— Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.

Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risada: ("Logo o senhor, doutor..."), fizeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.

— Ele enlouqueceu?

— Não sei — respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos.

— Nunca vi "ele" assim.

Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.

— Você vai usar este nariz na cama? — perguntou a mulher.

— Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.

— Mas, por quê?

— Porque não.

Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.


— Papai...

— Sim, minha filha.

— Podemos conversar?

— Claro que podemos.

— É sobre esse seu nariz...

— O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?

— Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?

— O nariz é meu e vou continuar a usar.

— Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.

— Não tem porque não quer...

[...]

A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço.

Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.

— Você vai concordar — disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado com ele — que seu comportamento é um pouco estranho...

— Estranho é o comportamento dos outros! — disse ele. — Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz? [...]



(Luís Fernando Verissimo. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994. p. 73-6.)


reputação: fama, renome.

repudiar: rejeitar, repelir.

sestear: fazer a sesta, descansar, cochilar

Todas as palavras a seguir têm a mesma regra de acentuação gráfica da palavra respeitadíssimo, retirada do texto, exceto:

Alternativas
Q2800133 Português

O NARIZ



Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma sólida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço — sempre almoçava em casa— com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.

— O que é isso? — perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.

— Isto o quê?

— Esse nariz.

— Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.

— Logo você, papai...

Depois do almoço ele foi recostar- se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.

— Tire esse negócio.

— Por quê?

— Brincadeira tem hora.

— Mas isto não é brincadeira.

Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta.

A mulher interpelou:

— Aonde é que você vai?

— Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.

— Mas com esse nariz?

— Eu não compreendo você — disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. — Se fosse uma gravata nova, você não diria nada. Só porque é um nariz...

— Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.

Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risada: ("Logo o senhor, doutor..."), fizeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.

— Ele enlouqueceu?

— Não sei — respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos.

— Nunca vi "ele" assim.

Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.

— Você vai usar este nariz na cama? — perguntou a mulher.

— Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.

— Mas, por quê?

— Porque não.

Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.


— Papai...

— Sim, minha filha.

— Podemos conversar?

— Claro que podemos.

— É sobre esse seu nariz...

— O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?

— Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?

— O nariz é meu e vou continuar a usar.

— Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.

— Não tem porque não quer...

[...]

A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço.

Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.

— Você vai concordar — disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado com ele — que seu comportamento é um pouco estranho...

— Estranho é o comportamento dos outros! — disse ele. — Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz? [...]



(Luís Fernando Verissimo. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994. p. 73-6.)


reputação: fama, renome.

repudiar: rejeitar, repelir.

sestear: fazer a sesta, descansar, cochilar

De acordo com o texto, marque o que é mais importante para a sociedade:

Alternativas
Q2800132 Português

O NARIZ



Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma sólida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço — sempre almoçava em casa— com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.

— O que é isso? — perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.

— Isto o quê?

— Esse nariz.

— Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.

— Logo você, papai...

Depois do almoço ele foi recostar- se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.

— Tire esse negócio.

— Por quê?

— Brincadeira tem hora.

— Mas isto não é brincadeira.

Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta.

A mulher interpelou:

— Aonde é que você vai?

— Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.

— Mas com esse nariz?

— Eu não compreendo você — disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. — Se fosse uma gravata nova, você não diria nada. Só porque é um nariz...

— Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.

Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risada: ("Logo o senhor, doutor..."), fizeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.

— Ele enlouqueceu?

— Não sei — respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos.

— Nunca vi "ele" assim.

Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.

— Você vai usar este nariz na cama? — perguntou a mulher.

— Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.

— Mas, por quê?

— Porque não.

Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.


— Papai...

— Sim, minha filha.

— Podemos conversar?

— Claro que podemos.

— É sobre esse seu nariz...

— O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?

— Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?

— O nariz é meu e vou continuar a usar.

— Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.

— Não tem porque não quer...

[...]

A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço.

Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.

— Você vai concordar — disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado com ele — que seu comportamento é um pouco estranho...

— Estranho é o comportamento dos outros! — disse ele. — Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz? [...]



(Luís Fernando Verissimo. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994. p. 73-6.)


reputação: fama, renome.

repudiar: rejeitar, repelir.

sestear: fazer a sesta, descansar, cochilar

Sobre os trechos abaixo, retirados do texto, marque aquele em que a observação sobre o dentista é feita pelo narrador.

Alternativas
Q2800121 Português

O NARIZ



Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma sólida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço — sempre almoçava em casa— com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.

— O que é isso? — perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.

— Isto o quê?

— Esse nariz.

— Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.

— Logo você, papai...

Depois do almoço ele foi recostar- se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.

— Tire esse negócio.

— Por quê?

— Brincadeira tem hora.

— Mas isto não é brincadeira.

Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta.

A mulher interpelou:

— Aonde é que você vai?

— Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.

— Mas com esse nariz?

— Eu não compreendo você — disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. — Se fosse uma gravata nova, você não diria nada. Só porque é um nariz...

— Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.

Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risada: ("Logo o senhor, doutor..."), fizeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.

— Ele enlouqueceu?

— Não sei — respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos.

— Nunca vi "ele" assim.

Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.

— Você vai usar este nariz na cama? — perguntou a mulher.

— Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.

— Mas, por quê?

— Porque não.

Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.


— Papai...

— Sim, minha filha.

— Podemos conversar?

— Claro que podemos.

— É sobre esse seu nariz...

— O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?

— Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?

— O nariz é meu e vou continuar a usar.

— Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.

— Não tem porque não quer...

[...]

A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço.

Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.

— Você vai concordar — disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado com ele — que seu comportamento é um pouco estranho...

— Estranho é o comportamento dos outros! — disse ele. — Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz? [...]



(Luís Fernando Verissimo. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994. p. 73-6.)


reputação: fama, renome.

repudiar: rejeitar, repelir.

sestear: fazer a sesta, descansar, cochilar

Todas as frases a seguir expressam a reação da esposa e da filha diante do comportamento do dentista, exceto:

Alternativas
Respostas
1396: A
1397: B
1398: B
1399: A
1400: D