Questões de Português - Significação Contextual de Palavras e Expressões. Sinônimos e Antônimos. para Concurso

Foram encontradas 18.847 questões

Q2087123 Português

Desmatamento e caça ilegal podem causar novas epidemias no Brasil, diz estudo da Fiocruz

(Lucas Rocha, da CNN em São Paulo.)


    Conhecido por sua grande biodiversidade de animais e vegetais, o Brasil também abriga uma variedade significativa de agentes capazes de causar doenças, tecnicamente chamados de “patógenos”, como vírus e parasitas.

    Antes mesmo da emergência do coronavírus no final de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem alertado sobre os riscos do surgimento de doenças com potencial de se espalhar pelo mundo e afetar grandes populações em todos os países.

    Ao levantarem essa possibilidade, cientistas brasileiros investigaram características do país que podem favorecer o contato dos seres humanos com microrganismos que podem apresentar riscos para a saúde.

    Um estudo liderado por pesquisadoras do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro, aponta recentes aumentos nas vulnerabilidades sociais e ecológicas do país, amplificados pelos atuais cenários políticos e econômicos.

    Os achados, publicados na revista científica Science Advances, indicam uma propensão dessa megadiversidade atuar como incubadora de possível pandemia provocada por doenças infecciosas de circulação animal que podem ser transmitidas para os seres humanos – as chamadas zoonoses.

    “A partir de um modelo de avaliação que identifica diferentes interações entre os elementos que investigamos, conseguimos observar mais amplamente os processos que moldam o surgimento de zoonoses em cada estado brasileiro”, aponta Gisele Winck, primeira autora do artigo e pesquisadora do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC, em comunicado.

    De acordo com os especialistas, três principais componentes de risco estão em foco na avaliação: vulnerabilidade, exposição e capacidade de enfrentamento.

    Dentro dos grupos principais, são observadas variáveis mais específicas como a quantidade de espécies de mamíferos silvestres, perda de vegetação natural, mudanças nos padrões de uso da terra, bem-estar social, conectividade geográfica de cidades e aspectos econômicos.

    De acordo com o estudo, os resultados colocam em evidência o desmatamento e a caça de animais silvestres como fatores de grande relevância para o aparecimento de novas e antigas infecções.

    O estudo aponta, ainda, que todo o território brasileiro está suscetível a emergências ocasionadas por zoonoses, com uma maior probabilidade em áreas sob influência da Floresta Amazônica.

     Na análise, os especialistas traçam um comparativo entre os estados do Maranhão e do Ceará, na região Nordeste. 

    O Maranhão, que possui cerca de 34% do seu território coberto pela floresta tropical, é classificado como área com alto risco para surtos de zoonose. Enquanto o Ceará, estado vizinho, onde a Caatinga prevalece, apresenta baixo risco no surgimento de novas doenças.

    “A Floresta Amazônica é uma região com alta diversidade de mamíferos selvagens e que vem sofrendo grande perda da cobertura florestal. Muitas espécies estão ficando sem habitat devido ao desmatamento, gerando desequilíbrio na dinâmica local”, diz Cecília Siliansky de Andreazzi, uma das autoras do artigo e, também, pesquisadora do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios.

    Risco de “transbordamento”

     O contágio por infecções de origem animal acontece por meio de um fenômeno conhecido como “spillover”. O “transbordamento”, em tradução literal, é quando os agentes causadores de doença que circulavam restritamente em um grupo animal “saltam” e passam a infectar outras espécies, incluindo humanos. 

    A expansão das atividades humanas para regiões de matas e florestas, naturalmente habitadas por animais silvestres, é um aspecto que favorece ainda mais esse cenário, de acordo com as pesquisadoras. 

    No entanto, o estudo ressalta que para uma zoonose se tornar epidêmica é necessário o alinhamento de diferentes fatores ecológicos, epidemiológicos e comportamentais, incluindo a mobilidade humana como um fator de importância. 

    No Brasil, a dependência socioeconômica de cidades menores com capitais e grandes metrópoles aumenta o potencial epidêmico das zoonoses, uma vez que habitantes de regiões interioranas precisam realizar deslocamentos frequentes em busca de bens e serviços. 

    “O fluxo humano é crucial no espalhamento de zoonoses, principalmente em infecções cuja transmissão ocorre de pessoa para pessoa após o salto de espécies, como é o caso da Covid-19. A partir do momento em que esses patógenos alcançam cidades super espalhadoras, como São Paulo e Manaus, a transmissão é amplificada e exportada para diversas outras regiões”, diz Cecília.

    A carne de caça é outra via crítica para o “transbordamento” de doenças. Em uma análise de rede, foram relacionadas espécies que são frequentemente caçadas de modo ilegal no Brasil com agentes que potencialmente causariam danos graves à saúde pública. Como resultado, foram encontrados 63 mamíferos que interagem com 173 parasitas propícios a causar pelo menos 76 diferentes doenças.

    “A infecção pode ocorrer em diversas etapas: ao adentrar a floresta, quando o caçador fica exposto a mosquitos, carrapatos e diversos outros vetores de patógenos; no ato da caça, ao sofrer um corte ou arranhão que entre em contato com fluidos animais; no preparo da carne, quando há o contato direto com vísceras, que também são comumente oferecidas como alimentos crus para cães e gatos de estimação; e no consumo final da carne, caso não seja bem armazenada ou cozida”, explica Gisele.

    Como a atividade ainda é essencial para populações tradicionais que utilizam a carne de caça para subsistência, os especialistas fazem um recorte de situação no artigo e recomendam a implementação de ações pontuais de garantia da segurança sanitária nesses grupos.

    “É algo que precisa ser bastante discutido e avaliado. A caça é autorizada apenas para os povos tradicionais, porém ela continua ocorrendo fora desses grupos e serve como fator de interação entre pessoas e animais silvestres reservatórios de patógenos. Infelizmente, todos acabam sendo tratados erroneamente como iguais. É preciso diferenciar populações que dependem desse consumo como fonte de proteína daqueles que atuam no tráfico de animal silvestre ou caça esportiva”, lembrou Cecília.

    Vigilância

    O estudo aponta o investimento em ações do Sistema Único de Saúde (SUS) como a principal forma de mitigar os efeitos do surgimento de uma zoonose.

     De acordo com o artigo, a contenção de zoonoses ocorrerá efetivamente com a promoção de políticas públicas de saúde que apoiem abordagens preditivas e preventivas que sigam o conceito de Saúde Única (One Health), que considera a saúde humana, animal e ambiental para a manutenção do bem-estar no planeta.

    Entre as ações preconizadas, estão a implementação de sistemas de monitoramento eficazes integrados com vigilância epidemiológica de potenciais doenças zoonóticas, políticas mais amplas e inovadoras que mitiguem a degradação ambiental, fiscalização do tráfico de animais silvestres e novas abordagens para a conservação da biodiversidade.

    “O que define se o surgimento de uma zoonose será um surto local, epidemia ou pandemia é como iremos lidar com a situação. Temos que pensar em como faremos um monitoramento eficiente de um país grande e diverso como o nosso”, afirma Gisele.

    Lições da Covid-19

    O estudo teve origem em uma carta publicada em setembro de 2020 na revista The Lancet. Na época, os autores do texto apontavam retrocessos em políticas sociais e ambientais do Brasil, que podiam contribuir para a ocorrência de infecções causadas por microrganismos de origem animal. Os especialistas defendiam, ainda, a criação de um sistema integrado de vigilância de doenças silvestres.


    “Após a publicação da carta, iniciamos uma reflexão mais aprofundada e detalhada sobre o potencial risco de emergências de zoonoses no Brasil. Esse artigo é fruto de muita pesquisa e discussão entre os pesquisadores desse grupo, visto que são assuntos complexos e que demandam uma busca por informação em variadas fontes”, disse Gisele.

    A pesquisa foi realizada por um grupo de especialistas composto por profissionais de diferentes áreas, que atuam em saúde pública e conservação do meio ambiente. A publicação faz parte do projeto SinBiose do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

    Participam do trabalho pesquisadores da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do IOC, da Fiocruz Ceará, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE). O estudo também contou com a colaboração de especialistas da Faculdade Maurício de Nassau, da União Internacional para a Conservação da Natureza, da Universidade de Aveiro e da Universidade de Coimbra.


(CNN. Desmatamento e caça ilegal podem causar novas epidemias no Brasil, diz estudo da Fiocruz. 29/06/2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/. Acesso em: 04/01/2023.)

Considerando a norma culta da língua portuguesa, analise as afirmativas a seguir.
I. Em “O estudo aponta, ainda, que todo o território brasileiro está suscetível a emergências ocasionadas por zoonoses, com uma maior probabilidade em áreas sob influência da Floresta Amazônica.” (10º§), o termo suscetível pode ser substituído por propenso, sem que haja alteração substancial de sentido. II. Autoriza-se a caça apenas para os povos tradicionais é uma reescrita que não acarreta alteração substancial de sentido da sentença “A caça é autorizada apenas para os povos tradicionais, [...]” (22º§). III. Em “Na época, os autores do texto apontavam retrocessos em políticas sociais e ambientais do Brasil, que podiam contribuir para a ocorrência de infecções causadas por microrganismos de origem animal.” (27º§), a palavra microrganismos está incorretamente grafada. IV. Em “No Brasil, a dependência socioeconômica de cidades menores com capitais e grandes metrópoles aumenta o potencial epidêmico das zoonoses, uma vez que habitantes de regiões interioranas precisam realizar deslocamentos frequentes em busca de bens e serviços.” (17º§), a conjunção uma vez que tem o mesmo valor semântico de porquanto.
Está correto o que se afirma apenas em
Alternativas
Q2087079 Português
Cenoura, ovo ou café

    Uma filha se queixou a seu pai sobre sua vida e de como as coisas estavam tão difíceis para ela. Ela já não sabia mais o que fazer e queria desistir. Estava cansada de lutar e combater. Parecia que assim que um problema estava resolvido um outro surgia. 

    Seu pai, um “chef”, levou‐a até a cozinha. Encheu três panelas com água e colocou cada uma delas em fogo alto.

    Logo as panelas começaram a ferver.

    Em uma ele colocou cenouras, em outra colocou ovos e, na última, pó de café.

    Deixou que tudo fervesse, sem dizer uma palavra.

    A filha deu um suspiro e esperou impacientemente, imaginando o que ele estaria fazendo.

    Cerca de vinte minutos depois, ele apagou as bocas de gás. Pescou as cenouras e as colocou em uma tigela. Retirou os ovos e os colocou em uma tigela. Então pegou o café com uma concha e o colocou igualmente em uma tigela.

    Virando‐se para ela, perguntou “Querida, o que você está vendo?” “Cenouras, ovos e café”, ela respondeu.

    Ele a trouxe para mais perto e pediu‐lhe para experimentar as cenouras. Ela obedeceu e notou que as cenouras estavam macias.

    Ele, então, pediu‐lhe que pegasse um ovo e o quebrasse. Ela obedeceu e depois de retirar a casca verificou que o ovo endurecera com a fervura.

    Finalmente, ele lhe pediu que tomasse um gole do café.

     Ela sorriu ao provar seu aroma delicioso.

      Ela perguntou humildemente: “O que isto significa, pai?”

    Ele explicou que cada um deles havia enfrentado a mesma adversidade, água fervendo, mas que cada um reagira de maneira diferente.

     A cenoura entrara forte, firme e inflexível. Mas depois de ter sido submetida à água fervendo, ela amolecera e se tornara frágil.

    Os ovos eram frágeis. Sua casca fina havia protegido o líquido interior. Mas depois de terem sido colocados na água fervendo, seu interior se tornou mais rígido.

    O pó de café, contudo, era incomparável. Depois que fora colocado na água fervente, ele havia mudado a água. “Qual deles é você?” ele perguntou a sua filha. “– Quando a adversidade bate a sua porta, como você responde? Você é uma cenoura, um ovo ou pó de café?”

    E você?

   Você é como a cenoura que parece forte, mas com a dor e a adversidade você murcha e se torna frágil e perde sua força? 

    Será que você é como o ovo, que começa com um coração maleável? Você teria um espírito maleável, mas depois de alguma morte, uma falência, um divórcio ou uma demissão, você se tornou mais difícil e duro? Sua casca parece a mesma, mas você está mais amargo e obstinado, com o coração e o espírito inflexíveis?
 
    Ou será que você é como o pó de café? Ele muda a água fervente, a coisa que está trazendo a dor, para conseguir o máximo de seu sabor, a cem graus centígrados. Quanto mais quente estiver a água, mais gostoso se torna o café. Se você é como o pó de café, quando as coisas se tornam piores, você se torna melhor e faz com que as coisas em torno de você também se tornem melhores.

    Como você lida com a adversidade?
 
     Você é uma cenoura, um ovo ou café?

(Retirado do livro “Às vezes você ganha, às vezes você aprende” – John C. Maxwell. Disponível em: https://pensebem.blog/2020/03/30/fabulacenouras-ovos-cafe-e-adversidades/. Em: 03/2020.)
No trecho “Sua casca parece a mesma, mas você está mais amargo e obstinado, com o coração e o espírito inflexíveis? (20º§), o termo destacado só NÃO pode ser substituído, sem afetar o sentido originalmente proposto, por:
Alternativas
Q2086766 Português

Ainda dá tempo? O interrompido sonho de futuro


Talvez resida na contradição expressa na convergência entre continuar correndo nas redes virtuais, ainda que imobilizado em casa, um jeito de não enlouquecer.


    Parar o tempo. Voltar no tempo. Avançar no tempo. Três desejos associados à felicidade que até foram realizados pela Covid-19, mas como tragédia. O ser humano sonhou errado?

    A humanidade é ambígua ao se relacionar com o tempo. Na prática, vive o presente. Na fantasia, adora o passado. De verdade, só pensa em antecipar o futuro. Era assim. Mas mudou com a Covid-19. Como um hacker, o confinamento associado à longa pandemia foi desconfigurando o algoritmo do psiquismo humano: mais de 600 mil mortes, mais de 500 dias e toneladas de dor, raiva e frustração depois, a saída é dar ctrl+alt+del e reiniciar a relação com este deus – ou deusa – chamado tempo.

    Exagerada, a humanidade sonhou tão intensamente com o futuro que estressou o próprio tempo, que agora nos revela o modelito híbrido – um tipo de tempo mais confuso ainda. Teremos saúde mental para lidar com a instabilidade que reside nele?

    A pandemia interrompeu o fluxo livre dos nossos desejos. Nessa medida, foi bom. Isso porque o sonho humano de controlar o tempo nunca foi inócuo. Apontava para a determinação da espécie humana em estar no controle das vidas, de todas as vidas, incluindo a vida das outras espécies que habitam o planeta, também para além da vida, na governança do legado de quem já faleceu. Nem na ficção científica isto costuma dar certo.

    É tudo delírio da humanidade, porque o tempo sempre fluiu a seu capricho, poderoso e soberano. Mas imaginávamos que fosse sempre para a frente, na direção do futuro. Não foi. Veio o passado. Ou a nítida sensação de que voltamos ao passado. De tal modo que hoje estamos entre o futuro e o passado, construindo um presente volátil e, ao mesmo tempo, permanente.

    Povos ancestrais marcam o tempo com fenômenos naturais dos quais participam ao vivo. Nós também. Sem aulas presenciais – decisão necessária – as crianças isoladas em casa não viram, por exemplo, os dentinhos de leite das outras crianças da turma caírem. Nem tiveram a alegria de lhes mostrar suas bocas banguelas também. Um ritual da infância. Meninas menstruaram pela primeira vez sem ter como compartilhar essa emoção com as amigas, ao vivo. Um ritual da adolescência. E como terá sido relacionar-se sexualmente com alguém pela primeira vez nas fases mais críticas da pandemia? Paixão, prazer, insegurança e possivelmente medos – incluindo, agora, o de se contaminar.

    Na pandemia, rituais naturais e auspiciosos que registram a passagem do tempo foram substituídos por outros, mórbidos, como acompanhar o ciclo de 14 dias do coronavírus de pessoas próximas. Ou o ciclo de uma intubação, com final feliz ou não. Rituais ao vivo são marcadores de tempo da vida. E tanto a vida como seus marcadores de tempo têm sido maculados desde 2020.

    O isolamento social e o receio da contaminação também agravaram as intolerâncias. Quem ainda aguenta se olhar no espelho? Descobri que o verbo olhar, em “olhar-se no espelho”, não é intransitivo coisa nenhuma. É transitivo: uma ação de início, meio e fim, e com complemento verbal. Olhar-se no espelho precisa ter um objetivo não narcísico ou íntimo, como sair de casa ou receber alguém. Na pandemia, olhar-se no espelho foi perdendo a graça.

    Abrir os armários de roupa hoje me provoca uma sensação estranha. As peças perderam a anima e, fantasmagoricamente, parecem ser de uma outra pessoa que viveu remotamente, e que não sou eu. Que aberração psíquica é esta de construir o seu próprio e indesejável museu? Um museu que ninguém visita.

    Passamos a dedicar mais amor aos banheiros e a verificar a quantidade de rejuntes necessários nos azulejos no box, no piso e ao redor da pia. Esfregamos com toda a força qualquer sujeirinha recém-descoberta, para depois ignorála de novo. Vida que segue.

    Vestir-se ficou automático – o esmero é só da cintura pra cima, parte que aparece nas lives. Os batons ganharam insignificância por causa das máscaras. E os sapatos novos mofaram ou deixaram de caber nos pés – cujas plantas alargaram – de tanto ficarem descalços. A ortopedia vem registrando um número inédito de dedinhos mínimos fraturados por topadas em móveis. Na pandemia, todo mundo ficou mais corcunda, grisalho, careca e… perdido no tempo. A esperança? Agilizar tudo para que um futuro melhor chegue depressa.

    É sobretudo no mundo digital que a urgência em alcançar o futuro se manifesta. A paixão pela velocidade virtual inebria, vicia e concretiza a obstinação da humanidade em prematurar o tempo. Confinados, ficamos ainda mais ávidos por experienciar processos que fluem com rapidez, como quando consumimos online. E talvez resida justamente nessa contradição, expressa na convergência entre continuar correndo nas redes virtuais, ainda que imobilizado em casa, um jeito de não enlouquecer.

    Não há previsão de como a humanidade irá se relacionar com o tempo após esse rewind, que drasticamente conectou passado e presente, e, como se não bastasse, estragou o futuro imediato que parecia tão promissor. Nessa direção, imagino também que o tema do idadismo se expandirá com novas reflexões relacionadas a percepções díspares do tempo entre quem é pessoa adulta hoje e as crianças nascidas em 2020 e 2021. Conflitos intergeracionais irão se agravar em casa e no ambiente de trabalho?

    Enfim, em qual matemática a humanidade poderá confiar, se a história parou e o tempo voltou? Cem anos não serão mais 100 anos. Podem ser bem mais ou bem menos. Busca-se desesperadamente um algoritmo novo. Evoluído o suficiente para calcular a distância temporal que, agora se sabe, é mutante.


(WERNECK, Claudia. Ainda dá tempo? O interrompido sonho de futuro. Nexo, 2021. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio /2021/Ainda-d%C3%A1-tempo-O-interrompido-sonho-defuturo. Acesso em: 31/12/2021.)

A palavra “como”, a depender de seu emprego nos textos, pode estabelecer relações semânticas diversas. Observe o emprego do termo “como” nesta passagem: “Como um hacker, o confinamento associado à longa pandemia foi desconfigurando o algoritmo do psiquismo humano...” (2º§) Dos fragmentos a seguir, qual apresenta o termo “como” com o mesmo valor semântico expresso na passagem destacada anteriormente? 
Alternativas
Q2086763 Português

Ainda dá tempo? O interrompido sonho de futuro


Talvez resida na contradição expressa na convergência entre continuar correndo nas redes virtuais, ainda que imobilizado em casa, um jeito de não enlouquecer.


    Parar o tempo. Voltar no tempo. Avançar no tempo. Três desejos associados à felicidade que até foram realizados pela Covid-19, mas como tragédia. O ser humano sonhou errado?

    A humanidade é ambígua ao se relacionar com o tempo. Na prática, vive o presente. Na fantasia, adora o passado. De verdade, só pensa em antecipar o futuro. Era assim. Mas mudou com a Covid-19. Como um hacker, o confinamento associado à longa pandemia foi desconfigurando o algoritmo do psiquismo humano: mais de 600 mil mortes, mais de 500 dias e toneladas de dor, raiva e frustração depois, a saída é dar ctrl+alt+del e reiniciar a relação com este deus – ou deusa – chamado tempo.

    Exagerada, a humanidade sonhou tão intensamente com o futuro que estressou o próprio tempo, que agora nos revela o modelito híbrido – um tipo de tempo mais confuso ainda. Teremos saúde mental para lidar com a instabilidade que reside nele?

    A pandemia interrompeu o fluxo livre dos nossos desejos. Nessa medida, foi bom. Isso porque o sonho humano de controlar o tempo nunca foi inócuo. Apontava para a determinação da espécie humana em estar no controle das vidas, de todas as vidas, incluindo a vida das outras espécies que habitam o planeta, também para além da vida, na governança do legado de quem já faleceu. Nem na ficção científica isto costuma dar certo.

    É tudo delírio da humanidade, porque o tempo sempre fluiu a seu capricho, poderoso e soberano. Mas imaginávamos que fosse sempre para a frente, na direção do futuro. Não foi. Veio o passado. Ou a nítida sensação de que voltamos ao passado. De tal modo que hoje estamos entre o futuro e o passado, construindo um presente volátil e, ao mesmo tempo, permanente.

    Povos ancestrais marcam o tempo com fenômenos naturais dos quais participam ao vivo. Nós também. Sem aulas presenciais – decisão necessária – as crianças isoladas em casa não viram, por exemplo, os dentinhos de leite das outras crianças da turma caírem. Nem tiveram a alegria de lhes mostrar suas bocas banguelas também. Um ritual da infância. Meninas menstruaram pela primeira vez sem ter como compartilhar essa emoção com as amigas, ao vivo. Um ritual da adolescência. E como terá sido relacionar-se sexualmente com alguém pela primeira vez nas fases mais críticas da pandemia? Paixão, prazer, insegurança e possivelmente medos – incluindo, agora, o de se contaminar.

    Na pandemia, rituais naturais e auspiciosos que registram a passagem do tempo foram substituídos por outros, mórbidos, como acompanhar o ciclo de 14 dias do coronavírus de pessoas próximas. Ou o ciclo de uma intubação, com final feliz ou não. Rituais ao vivo são marcadores de tempo da vida. E tanto a vida como seus marcadores de tempo têm sido maculados desde 2020.

    O isolamento social e o receio da contaminação também agravaram as intolerâncias. Quem ainda aguenta se olhar no espelho? Descobri que o verbo olhar, em “olhar-se no espelho”, não é intransitivo coisa nenhuma. É transitivo: uma ação de início, meio e fim, e com complemento verbal. Olhar-se no espelho precisa ter um objetivo não narcísico ou íntimo, como sair de casa ou receber alguém. Na pandemia, olhar-se no espelho foi perdendo a graça.

    Abrir os armários de roupa hoje me provoca uma sensação estranha. As peças perderam a anima e, fantasmagoricamente, parecem ser de uma outra pessoa que viveu remotamente, e que não sou eu. Que aberração psíquica é esta de construir o seu próprio e indesejável museu? Um museu que ninguém visita.

    Passamos a dedicar mais amor aos banheiros e a verificar a quantidade de rejuntes necessários nos azulejos no box, no piso e ao redor da pia. Esfregamos com toda a força qualquer sujeirinha recém-descoberta, para depois ignorála de novo. Vida que segue.

    Vestir-se ficou automático – o esmero é só da cintura pra cima, parte que aparece nas lives. Os batons ganharam insignificância por causa das máscaras. E os sapatos novos mofaram ou deixaram de caber nos pés – cujas plantas alargaram – de tanto ficarem descalços. A ortopedia vem registrando um número inédito de dedinhos mínimos fraturados por topadas em móveis. Na pandemia, todo mundo ficou mais corcunda, grisalho, careca e… perdido no tempo. A esperança? Agilizar tudo para que um futuro melhor chegue depressa.

    É sobretudo no mundo digital que a urgência em alcançar o futuro se manifesta. A paixão pela velocidade virtual inebria, vicia e concretiza a obstinação da humanidade em prematurar o tempo. Confinados, ficamos ainda mais ávidos por experienciar processos que fluem com rapidez, como quando consumimos online. E talvez resida justamente nessa contradição, expressa na convergência entre continuar correndo nas redes virtuais, ainda que imobilizado em casa, um jeito de não enlouquecer.

    Não há previsão de como a humanidade irá se relacionar com o tempo após esse rewind, que drasticamente conectou passado e presente, e, como se não bastasse, estragou o futuro imediato que parecia tão promissor. Nessa direção, imagino também que o tema do idadismo se expandirá com novas reflexões relacionadas a percepções díspares do tempo entre quem é pessoa adulta hoje e as crianças nascidas em 2020 e 2021. Conflitos intergeracionais irão se agravar em casa e no ambiente de trabalho?

    Enfim, em qual matemática a humanidade poderá confiar, se a história parou e o tempo voltou? Cem anos não serão mais 100 anos. Podem ser bem mais ou bem menos. Busca-se desesperadamente um algoritmo novo. Evoluído o suficiente para calcular a distância temporal que, agora se sabe, é mutante.


(WERNECK, Claudia. Ainda dá tempo? O interrompido sonho de futuro. Nexo, 2021. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio /2021/Ainda-d%C3%A1-tempo-O-interrompido-sonho-defuturo. Acesso em: 31/12/2021.)

Assinale a alternativa em que a palavra destacada mantém o mesmo sentido, se substituída pela dos parênteses.
Alternativas
Q2086551 Português

Aquilo por que vivi


    Três paixões, simples, mas irresistivelmente fortes, governaram-me a vida: o anseio de amor, a busca do conhecimento e a dolorosa piedade pelo sofrimento da humanidade. Tais paixões, como grandes vendavais, impeliram-me para aqui e acolá, em curso instável, por sobre profundo oceano de angústia, chegando às raias do desespero. 

     Busquei, primeiro, o amor, porque ele produz êxtase – um êxtase tão grande que, não raro, eu sacrificava todo o resto da minha vida por umas poucas horas dessa alegria. Ambicionava-o, ainda, porque o amor nos liberta da solidão – essa solidão terrível através da qual a nossa trêmula percepção observa, além dos limites do mundo, esse abismo frio e exânime.

    Com paixão igual, busquei o conhecimento. Eu queria compreender o coração dos homens. Gostaria de saber por que cintilam as estrelas. E procurei apreender a força pitagórica pela qual o número permanece acima do fluxo dos acontecimentos. Um pouco disto, mas não muito, eu o consegui. 

    Amor e conhecimento, até ao ponto em que são possíveis, conduzem para o alto, rumo ao céu. Mas a piedade sempre me trazia de volta a terra. Ecos de gritos de dor ecoavam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desvalidos a constituir um fardo para seus filhos, e todo o mundo de solidão, pobreza e sofrimentos, convertem numa irrisão o que deveria de ser a vida humana. Anseio por aliviar o mal, mas não posso, e também sofro. 

    Eis o que tem sido a minha vida. Tenho-a considerado digna de ser vivida e, de bom grado, tornaria a vivê-la, se me fosse dada tal oportunidade.


(Bertrand Russel. Autobiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. Adaptado.)


“Ambicionava-o, ainda, porque o amor nos liberta da solidão – essa solidão terrível através da qual a nossa trêmula percepção observa, além dos limites do mundo, esse abismo frio e exânime.” (2º§) Considerando o contexto textual, é possível depreender que a expressão destacada significa: 
Alternativas
Respostas
2826: D
2827: C
2828: D
2829: D
2830: D