Texto 10A1
Acho que foi em 1995 que o então presidente de Portugal
me deu uma condecoração que muito me orgulha: a da Ordem do
Infante Dom Henrique. No momento em que lhe agradeci a
honraria, Mário Soares me convidou a ir a Portugal. Respondi
que, não gostando de viajar, nunca saíra do Brasil, mas, que, se,
um dia, isso viesse a acontecer, minha preferência seria por
Portugal, por ser, entre os países da Europa, “o único onde o
povo tem o bom senso de falar português”.
Pode-se imaginar, então, como fico preocupado ao ver a
língua portuguesa desfigurada, como está acontecendo. Sei
perfeitamente que um idioma é uma coisa viva e pulsante. Não
queremos isolar o português, que, como acontece com qualquer
outra língua, se enriquece com as palavras e expressões das
outras. Todavia, elas devem ser adaptadas à forma e ao espírito
do idioma que as acolhe. Somente assim é que deixam de ser
mostrengos que nos desfiguram e se transformam em
incorporações que nos enriquecem.
Cito um caso, para exemplificar: no país onde se joga o
melhor futebol do mundo, traduziram, e bem, a palavra inglesa
goal por gol, mas estão escrevendo seu plural de maneira errada,
gols (e não gois, como é exigido, ao mesmo tempo, pelo bom
gosto, pelo espírito e pela forma da nossa língua). E isso em um
setor em que, para substituir os vocábulos estrangeiros, foram
adotadas palavras tão boas quanto zaga, escanteio e
impedimento, entre outras.
Ariano Suassuna. Folha de S. Paulo, 5/4/2000 (com adaptações).