Como sobreviver a um ataque de leão.
Na noite passada tive um dos sonhos mais desesperadores que alguém pode ter: estar sob a mira do olhar atento, faminto e extremamente ágil de um leão. Aintensidade de um sonho se dá, imagino eu, muito pela quantidade de elementos reais. Enquanto sonhamos, na maioria das vezes, não percebemos que estamos presos a uma ficção. Agimos, sentimos e, principalmente, sofremos como se tudo estivesse acontecendo diante dos nossos olhos, naquela fração de tempo chamada “agora”.
Lembro-me de que estava em um hotel desses que possuem passeios de safári. Tenho flashes também de estarmos em um carro aberto passeando pela selva. Vi girafas, inclusive filhotes, naquele cenário repleto de relva e animais de todos os portes. Avistei também tigres - que são tão lindos quanto ameaçadores. Sem falar nos hipopótamos que, “DiscoveryChannelmente” falando, conseguem atingir um metro e meio de altura e cerca de mile oitocentos quilos. Digo isso para que você consiga sentir a dimensão da minha imersão dentro de um simples sonho.
Estava tudo calmo e tranquilo, até então. Voltamos para um alojamento e estávamos reunidos em uma sala. Era um ambiente rústico, com móveis de madeira. O cansaço derrubou todos nós, amigos no sonho, porém desconhecidos na vida real, nos sofás deliciosamente aconchegante em couro marrom, meio envernizado, combinando em todo resto da decoração. Foi nesse momento que ouvimos aquele rugido. Forte. Seco. Capaz de fazer o chão tremer. Lembro, claramente, e pensar que era o fim dalinha para mim.
Um rugido de leão é capaz de ecoar por oito quilômetros, mas ele está apenas a algum metros de mim. Senti um suor frio percorrer todo meu corpo. Nesse momento, ouvi as seguintes instruções: “Mantenham-se de pé com os braços erguidos e gritando o mais forte e bravos que conseguirem. O leão não ataca presas que ele percebe que são maiores, se mostrem como gigantes, se quiserem sobreviver”. Esse foi o sábio conselho do guia, que tinha estado em passagens superiores do meu sonho.
Ficamos então de pé, alguns em cima da cadeiras, dos próprios sofás, outros lutando para não entrar em pânico quando vimos aquela beleza selvagem adentrar o nosso espaço. O animal sentou sobre as patas traseiras, exatamente no limite entre a porta e o corredor, nos encarcerando. O guia repetiu, mas desta vez com mais ênfase, que deveríamos gritar o mais alto possível naquele momento. O leão estaria, naqueles minutos de contemplação, decidindo se seríamos o seu almoço ou se não valeria a pena lutar contra tantos. Éramos aproximadamente dez.
Não adiantava correr. Essa é a verdade. Se o fizéssemos, precisaríamos de alguns segundos a mais para pular as janelas, já que a sala, apesar de ampla, não oferecia melhor roteiro de fuga. Mas até lá ele já teria nos mordido. Leões atingem a velocidade de oitenta quilômetros por hora. Eu dificilmente conseguiria correr a vinte, seria uma presa bastante fácil. Então, seguimos as sugestões do guia. O leão por sua vez, ficou de pé e passou próximo a alguns de nós, senti sua respiração rente a mim...mas não passou disso. Ele foi embora, como se só quisesse pregar uma peça na gente e testar os nossos limites.
Assim que ele cruzou a porta, o guia a trancou e disse algumas palavras, como se alguém tivesse entrado em meu sonho para me dizer as frases que eu mais precisava ouvir naqueles momentos da minha vida. “É importante saber que fugir * do problema não o fará sumir. É necessário olhar de frente para ele e se mostrar maior. Mais capaz. Às vezes, a vida nos oferece desafios como o ataque de um leão, mas disfarçados de qualquer outra coisa para que aprendamos como agir. Se demos as costas, somos atacados. Se nos mostrarmos imóveis, somos devorados. Se silenciarmos aos rugidos, perecemos”.
Acordei quase chorando. Era um misto de alívio por ter me livrado daquele ambiente hostil e medo do ataque iminente que, apesar de criação da minha mente, havia sido real e quase palpável. Fiquei atordoado com a constatação de um homem que apareceu durante o meu sono para me dizer como agir diante da minha própria vida. Sinto um arrepio contando isso, pois aquele conselho veio como um sacolejo em um dos momentos mais oportunos do mundo. Espero que ele sirva também a você. Se há algo que te aflige agora, perceba como você está se comportando diante disso. Talvez o meu guia também possa ajudá-lo a se salvar.
FONTE: ROCHA, Matheus. Pressa de ser feliz: crônicas de um ansioso. 7 ed, p. 75-77.