Leia o texto, para responder a questão.
Desde o fim do século XVIII, o ser humano tenta usar a
tecnologia para replicar a voz. O exemplo mais antigo de que
se tem notícia é o dispositivo criado por Wolfgang von Kempelen, oficial da corte austríaca e inventor amador. A máquina
falante de Kempelen, como ficou conhecida, usava um fole,
tubos, pedaços de madeira e uma caixa de ressonância para
replicar a emissão vocal a partir da circulação de ar – é mais
ou menos o mesmo processo do corpo humano. O sistema,
embora primitivo, era capaz de emitir alguns fonemas e até
palavras simples, como “mama” e “papa”. Duzentos e cinquenta anos depois da invenção de Kempelen, a tecnologia
de reprodução da voz humana avançou tanto que, agora, é
quase impossível para um leigo diferenciar um discurso real,
feito por uma pessoa de carne, osso e cordas vocais, de outro criado em computador.
O notável desenvolvimento de vozes sintéticas deu origem, por sinal, a um mercado bilionário – e perigoso. De
acordo com dados do instituto de pesquisa MarketsandMarkets, o setor movimentou 8,3 bilhões de dólares em 2021 e
deverá alcançar 22 bilhões de dólares até 2026. É uma área
que inclui assistentes virtuais como Siri e Alexa, sistemas de
atendimento virtual de bancos e até celebridades que emprestam a voz para aplicativos. O perigo reside na possibilidade de replicar vozes reais para, por exemplo, fins políticos,
fraudes ou ataques a reputações.
No vale-tudo da arena política, as vozes sintéticas podem causar enormes estragos. O cineasta Jordan Peele, do
aclamado Corra!, criou um vídeo do ex-presidente Barack
Obama usando a tecnologia deepfake, que mescla imagens
reais com falas falsas, para alertar sobre os riscos. “Estamos
entrando em uma era em que nossos inimigos podem fazer
com que qualquer um pareça dizer qualquer coisa”, disse a
voz fake de Obama.
Nesse contexto, plataformas como WhatsApp e Telegram, nas quais mensagens de áudio são amplamente usadas, representam um perigo adicional.
A tecnologia tem sido explorada também na área da saúde. Foi graças aos avanços na criação de vozes sintéticas
que o ator Val Kilmer, vitimado por um câncer na garganta,
recuperou parte da capacidade de se expressar. As novas
tecnologias, vale ressaltar, são capazes de realizar feitos únicos – e positivos. O que não é certo é usá-la para propagar
mentiras. Cada vez mais será preciso manter os ouvidos bem
atentos.
(André Sollitto, Voz ativa. Veja, 23.02.2022. Adaptado)