O surpreendente efeito da positividade tóxica
na saúde mental
Lucía Blasco
Pode parecer contraditório, mas a positividade
pode ser tóxica.
"Qualquer tentativa de escapar do negativo —
evitá-lo, sufocá-lo ou silenciá-lo — falha. Evitar o
sofrimento é uma forma de sofrimento", escreveu
o escritor americano Mark Manson em seu
livro A Arte Sutil de Ligar o Foda-se. É
precisamente nisso que consiste a positividade
tóxica ou positivismo extremo: impor a nós
mesmos — ou aos outros — uma atitude
falsamente positiva, generalizar um estado feliz e
otimista seja qual for a situação, silenciar nossas
emoções "negativas" ou as dos outros. (...)
O psicólogo da saúde Antonio Rodellar,
especialista em transtornos de ansiedade e
hipnose clínica, prefere falar em "emoções
desreguladas" do que "negativas". "A paleta de
cores emocionais engloba emoções
desreguladas, como tristeza, frustração, raiva,
ansiedade ou inveja. Não podemos ignorar que,
como seres humanos, temos aquela gama de
emoções que têm uma utilidade e que nos dão
informações sobre o que acontece no nosso
meio e no nosso corpo", explica Rodellar à BBC
News Mundo.
Para a terapeuta e psicóloga britânica Sally
Baker, "o problema com a positividade tóxica é
que ela é uma negação de todos os aspectos
emocionais que sentimos diante de qualquer
situação que nos represente um desafio." "É
desonesto em relação a quem somos permitir-nos apenas expressões positivas", diz Baker. (...)
“Nós nos escondemos atrás da positividade para
manter outras pessoas longe de uma imagem
que nos mostra imperfeitos." (...) "Quando
ignoramos nossas emoções negativas, nosso
corpo aumenta o volume para chamar nossa
atenção para esse problema. Suprimir as
emoções nos esgota mental e fisicamente. Não é
saudável e não é sustentável a longo prazo", diz
a terapeuta. (...)
Teresa Gutiérrez, psicopedagoga e especialista
em neuropsicologia, considera que "o
positivismo tóxico tem consequências
psicológicas e psiquiátricas mais graves do que
a depressão". "Pode levar a uma vida irreal que
prejudica nossa saúde mental. Tanto positivismo
não é positivo para ninguém. Se não houver
frustração e fracasso, não aprendemos a
desenvolver em nossas vidas", disse ele à BBC
Mundo.
O positivismo tóxico está na moda? Baker pensa
que sim e atribui isso às redes sociais, "que nos
obrigam a comparar nossas vidas com as vidas
perfeitas que vemos online". (...) "Se houvesse
mais honestidade sobre as vulnerabilidades, nos
sentiríamos mais livres para experimentar todos
os tipos de emoções. Somos humanos e
devemos nos permitir sentir todo o espectro de
emoções. É ok não estar bem. Não podemos ser
positivos o tempo todo."
Gutiérrez acredita que houve um aumento do
positivismo tóxico "nos últimos anos", mas
principalmente durante a pandemia. (...) "Todas
as emoções são como ondas: ganham
intensidade e depois descem e tornam-se
espuma, até desaparecer aos poucos. O
problema é quando não as queremos sentir
porque nos tornamos mais dóceis perante uma
'onda' que se aproxima". (...)
Stephanie Preston, professora de psicologia da
Universidade de Michigan, nos EUA, acredita
que a melhor maneira de validar as emoções é
"apenas ouvi-las". "Quando alguém compartilha
sentimentos negativos com você, em vez de
correr para fazer essa pessoa se sentir melhor
ou pensar mais positivamente ("Tudo vai ficar
bem"), tente levar um segundo para refletir sobre
seu desconforto ou medo e faça o possível para
ouvir", aconselha a especialista. (...)
Como aplicar isso na prática? Em vez de dizer
"não pense nisso, seja positivo", diga "me diz o
que você está sentindo, eu te escuto". Em vez
de falar "poderia ser pior", diga "sinto muito que
está passando por isso". Em vez de "não se
preocupe, seja feliz", diga "estou aqui para
você". (...) "Tudo bem olhar para o copo meio
cheio, mas aceitando que pode haver situações
em que o copo está meio vazio e, a partir daí,
assumir a responsabilidade de como
construímos nossas vidas".
Para Baker, o que devemos lembrar é que
"todas as nossas emoções são autênticas e
reais, e todas elas são válidas".
Adaptado de: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55278174.
Acesso em: 28 dez. 2021.