Questões de Português - Variação Linguística para Concurso
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Chove chuva
Água, água e mais água. É tudo o que eu tenho a oferecer. Escrever o maior número de vezes a palavra mágica, na certeza de que águas passadas não movem moinhos, mas podem, de tanto serem sugeridas, sensibilizar os céus e fazer com que elas desabem sobre nós. E que depois se faça o arco-íris. Que depois apareça, toda de branco, toda molhada e despenteada, que maravilha!, a coisa linda que é o meu amor,
Eu gostaria de repetir a dança da chuva, a coreografia provocativa dos cheyennes, tantas vezes vista nos filmes. Falta-me o requebro. Temo também que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu gostaria de subir aos ares, como um Santos Dumont tardio, bombardear as nuvens com cloreto de sódio. Se não desse certo, pelo menos chegaria perto do ouvido de São Pedro e, com piadas do tipo “afogar o ganso” e “molhar o biscoito”, faria com que o santo relaxasse e abrisse as torneiras.
De nada disso, no entanto, sou capaz. Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando as águas que passaram pela ponte da memória. Lembro, vizinha à minha casa, na Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora Zilda do Zé, de “As águas vão rolar”. A sua força ancestral, grande sambista, eu evoco agora, mesmo sabendo que a letra da música se refere à água que passarinho não bebe.
Todas as águas devem ser provocadas nesta imensa onda de pensamento positivo, e eu agora molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole para o santo. Finjo-me pau d’água e sigo em frente. Nem aí para os incréus, nem aí para os que zombam da fé, esses insensatos. A todos peço que leiam na minha camisa e não desistam: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".
[...]
O sonho acabou há tempo, e lá se foi John Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver um arco-íris emoldurando o Pão de Açúcar depois da pancada de verão. Como explicar a uma criança que sol e chuva é casamento de viúva? Como explicar a deliciosa aflição de dormir se perguntando “será que vai dar praia?”, se agora todo dia é dia de sol?
A propósito, eu li o grande poeta sentado no banco da praia e sei que a sede é infinita, que na nossa secura de amar é preciso buscar a água implícita, o beijo tácito — mas acho que é poesia demais para uma hora dessas. Urge, como queria Benjor, que chova chuva. Canivetes. Gatos e cachorros. Se Joseph Conrad traduziu a guerra com “o horror, o horror, o horror”, chegou a vez de resumir o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” — e bater os tambores na direção contrária. Saúdo para que se faça nuvem, e a todos cubra com o seu divino manto líquido, a saudosa Maria, a santa carioca que a incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata d'água na cabeça.
2015 promete ser terrível, mas há quem ache
bom negócio refletir sobre os valores básicos da
sobrevivência, o que o homem está fazendo com o
meio ambiente. Vai ser o ano de valorizar como bem
de consumo insuperável não o Chanel n° 5, mas o
cheiro da terra molhada depois do toró de fim de
tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de
ouvir Tom Jobim ao piano, tecla por tecla, gota a gota,
celebrando a cena real de, lá fora, estar chovendo na roseira.
Ah, quem me dera ligar o rádio e escutar o formidável português ruim da edição extraordinária. Aumentar o som para deixar o locutor gritar — os clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia — que chove a cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.
(SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Chove chuva. In: O Globo, 26.01.2015.)
A respeito da escolhas linguísticas e dos mecanismos coesivos empregados no texto, assinale V (verdadeira) ou F (falsa) em cada afirmativa a seguir.
( ) A expressão "empresa californiana" ( ℓ.16-17) retoma "serviço de pesquisas Google" ( ℓ. 1-2), a qual constitui mecanismo de busca possível para as coleções digitalizadas
( ) A expressão "A mais recente" (ℓ. 17) auxilia na progressão textual ao evitar a repetição de "comparação" (ℓ. 11).
( ) A expressão "com isso" ( ℓ. 60) articula uma conclusão à afirmação presente nas linhas 58-60.
A sequência correta é
será base para a resolução da questão.
Sobradinho (SáeGuarabira)
O homem chega, já desfaz a natureza
Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco lá pra cima da Bahia
Diz que dia menos dia vai subir bem devagar
E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que
dizia que sertão ia alagar.
O sertão vai virar mar, dá no coração
O medo que algum dia o mar também vire sertão
Adeus Remanso, Casa Nova, Sento-Sé
Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir
Debaixo d'água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira o gaiola vai, vai subir
Vai ter barragem nos alto do Sobradinho
E o povo vai-se embora com medo de se afogar.
De acordo com a letra acima, é falso dizer que:
A respeito da linguagem e do vocabulário empregados no texto anterior, julgue (C ou E) o item seguinte.
Embora contenha trechos de fala, o texto está isento de
coloquialismo.