Texto CG2A1
A cultura dominante, hoje mundializada, se estrutura ao
redor da vontade de poder que se traduz por vontade de
dominação da natureza, do outro, dos povos e dos mercados. Os
meios de comunicação levam ao paroxismo a magnificação de
todo tipo de violência. Nessa cultura, o militar, o banqueiro e o
especulador valem mais que o poeta, o filósofo e o santo. Nos
processos de socialização formal e informal, ela não cria
mediações para uma cultura da paz. Sem detalhar a questão,
diríamos que por detrás da violência funcionam poderosas
estruturas. A primeira delas é o caos sempre presente no processo
cosmogênico. Viemos de uma imensa explosão, o big bang. E a
evolução comporta violência em todas as suas fases. Em segundo
lugar, somos herdeiros da cultura patriarcal que instaurou a
dominação do homem sobre a mulher e criou as instituições do
patriarcado assentadas sobre mecanismos de violência como o
Estado, as classes, o projeto da tecnociência, os processos de
produção como objetivação da natureza e sua sistemática
depredação. Em terceiro lugar, essa cultura patriarcal gestou a
guerra como forma de resolução dos conflitos. Sobre essa vasta
base se formou a cultura do capital, hoje globalizada; sua lógica é
a competição, e não a cooperação; por isso, gera guerras
econômicas e políticas e, com isso, desigualdades, injustiças e
violências. Todas essas forças se articulam estruturalmente para
consolidar a cultura da violência que nos desumaniza a todos. A
essa cultura da violência há que se opor a cultura da paz. Hoje ela
é imperativa. É imperativa, porque as forças de destruição estão
ameaçando, por todas as partes, o pacto social mínimo sem o
qual regredimos a níveis de barbárie. Onde buscar as inspirações
para a cultura da paz? A singularidade do 1% de carga genética
que nos separa dos primatas superiores reside no fato de que nós,
à distinção deles, somos seres sociais e cooperativos. Ao lado de
estruturas de agressividade, temos capacidades de afetividade,
compaixão, solidariedade e amorização. O ser humano é o único
ser que pode intervir nos processos da natureza e copilotar a
marcha da evolução. Ele foi criado criador. Dispõe de recursos
de reengenharia da violência mediante processos civilizatórios de
contenção e uso de racionalidade. Há muito que filósofos veem
no cuidado a essência do ser humano. Tudo precisa de cuidado
para continuar a existir. Onde vige cuidado de uns para com os
outros desaparece o medo, origem secreta de toda violência,
como analisou Freud.
Leonardo Boff. Cultura da paz. Internet: <edisciplinas.usp.br> (com adaptações)