Juventude de hoje, de ontem e de amanhã
A juventude é estranha porque é a velhice do mundo passada indefinidamente a limpo. Uma geração lega à outra um magma
de erros e sabedoria, de vícios e virtudes, de esperanças e desilusões. O jovem é o mais velho exemplar da humanidade. Pesa-lhe a
herança dos conhecimentos acumulados; pesa-lhe o desafio do que não foi conquistado; a inadequação entre o idealismo e o
egoísmo prático; pesa-lhe o inconsciente da raça, esta sessão espírita permanente, através da qual cada homem se comunica com os
mortos.
No encontro de duas gerações, a que murcha e a que floresce, há uma irrisão dramática, um momento de culpas, apreensões
e incertezas. As duas figuras se contemplam: o jovem é o passado do velho, e este é o futuro que o jovem contempla com horror.
Assim, o momento desse encontro é um espelho cujas imagens o tempo deforma, sem que se desfaça, para o moço e para o velho, a
sinistra impressão de que as duas figuras são uma coisa só, um homem só, uma tragédia só.
O poeta romântico inglês Shelley poderia ser o padrão do adolescente de todas as épocas: nasceu de família respeitável e
rica, foi bonito, sincero, revoltado, idealista, violento, amoroso, apaixonado pela vida e pela morte, inteligente, confuso e, sobretudo,
de uma sensibilidade crispada. Não era um monstro: seus atos eram a consequência lógica de suas ideias, da lealdade às suas
crenças. E enquanto escrevia versos musicais, fecundados de amor cósmico, esperança e idealismo social, atirava-se feroz contra o
conformismo do clero, a monarquia, as leis vigentes, o farisaísmo universal.
(Adaptado de CAMPOS, Paulo Mendes. O amor acaba. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 135-136)