Em julho de 2011, quatro cidadãos quenianos, três homens e uma
mulher, ouviram numa sala de audiências do High Court, em
Londres, um juiz pronunciar-se a favor da admissibilidade da ação
que haviam interposto, dois anos antes, contra o governo do
Reino Unido, no sentido de se verem ressarcidos por abusos e
torturas alegadamente sofridos às mãos de agentes do poder
colonial britânico no Quênia, em meados da década de 1950.
Wambugu Wa Nyingy, Paulo Muoka Nzili, Ndiku Mutwiwa Mutua
e Jane Muthoni Mara, todos eles octogenários, afirmam ter sido
sujeitos a sevícias de vária ordem, incluindo castrações e
violações sexuais, todas elas geradoras de traumas que os
acompanharam pela vida fora. Entre as muitas vítimas deste
gênero de práticas ter-se-á contado também o avô paterno de
Barack Obama, que depois de ter servido no exército britânico na
Birmânia durante a II Guerra Mundial, foi acusado de ter
pertencido ao movimento Mau-Mau. As primeiras audiências do
julgamento tiveram início na primeira quinzena de Julho, mas as
suas implicações extravasaram já o âmbito estritamente judicial.
Para além do precedente que pode resultar daqui para situações
análogas (no Chipre e Malásia, nomeadamente), o caso está a
obrigar os historiadores, e a opinião pública, a reequacionarem o
papel da violência no fim do império, que tudo indica ter sido
muito mais relevante do que até aqui geralmente se admitia. Na
verdade, seria errado sugerir que os historiadores alguma vez
tenham negado que essa dimensão estivesse presente. Mas
algumas obras recentes – Histories of the Hanged (2005), do
britânico David Anderson, ou Britain’s Gulag (2005), da
americana Caroline Elkins, curiosamente ambas publicadas no
rescaldo das primeiras revelações sobre a prática de tortura em
prisões no Iraque pós-invasão - têm trazido elementos que
demonstram como o recurso a métodos de repressão, controle e
terror foi tão sistemático no contexto da descolonização britânica
como no de outros espaços imperiais europeus. Os dois
historiadores, juntamente com Huw Bennett, um especialista na
campanha do exército britânico durante a fase militar do conflito
do Quênia (1952-1960), foram arrolados como peritos pela firma
de advogados que representa os antigos prisioneiros quenianos e
foram eles quem começaram a examinar a enorme massa de
documentação que este caso ajudou a desclassificar – e que se
tornou num processo altamente polêmico por si só.
(OLIVEIRA, Pedro Aires. A vingança dos Mau-Maus e os arquivos secretos da
descolonização britânica. Extraído de: https://www.publico.pt/2012/09/02/jornal/a-vinganca-dos-maumau-e-os-arquivos-secretos-da-descolonizacao-britanica-25125044
A partir da análise do texto, é correto afirmar que o relato