Natal na Ilha do Nanja
Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser
maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o
aniversário do Menino Jesus, mas sim como o
verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o
Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no
horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua
e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as
pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada
do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos
como se andassem sob uma chuva de flores, porque
o Natal chega e, com ele, a esperança, o consolo, a
certeza do Bem, da Justiça, do Amor.
Na Ilha do
Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que
antigamente se denominavam “substantivos
próprios” e se escreviam com letras maiúsculas. Lá,
elas continuam a ser denominadas e escritas assim.
Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem
uma roupinha nova – mas uma roupinha barata, pois
é gente pobre – apenas pelo decoro de participar de
uma festa que eles acham ser a maior da
humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um
pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre
associamos à alegria da alma um certo bem-estar
físico, geralmente representado por um pouco de
doce e um pouco de vinho. Tudo, porém,
moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é
muito sóbria.
Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém
ofende o seu vizinho – antes, todos se saúdam com
grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no
mesmo tom celestial: “Boas-Festas! Boas-Festas!”
E ninguém pede contribuições especiais, nem
abonos nem presentes – mesmo porque se isso
acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus
nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede
nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros
menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade
não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se
dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe –
trata-se de uma ilha, com praias e pescadores! – uma
cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É
como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo
quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá
que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!
Na Ilha do Nanja, passa-se o ano inteiro com o
coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias
só esmorecem um pouco pela Semana Santa,
quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória
das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia,
vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos
voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com
lágrimas nos olhos.
Na Ilha do Nanja é assim. Árvores de Natal
não existem por lá. As crianças brincam com
pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há
pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons.
Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém
lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais
maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm
cantar com os vivos, nas grandes festas, porque
Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos
os outros uma coisa só.
É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde
agora se festeja o Natal.
(MEIRELES, Cecília. . Rio de Janeiro: Editora do
Autor, 4 ed. 1966, p. 169.)
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