“A” vivia pelas ruas da capital, sem moradia. Usuário de crack, já havia sido preso, processado e condenado várias vezes por crimes
contra o patrimônio – furtos e roubos perpetrados mediante grave ameaça, segundo consta das respectivas denúncias e sentenças.
Em alguns dos processos ainda não há trânsito em julgado e a Defensoria Pública tenta, no Superior Tribunal de Justiça, o reconhecimento da atipicidade material pela incidência do princípio da insignificância; noutros, a desclassificação de roubo para furto, em
virtude da descaracterização da “gravidade” da ameaça. Em favor de “A” milita, ainda, a constatação de que nunca praticou crime
com emprego de violência. Agora, “A” está sendo processado por novo furto, em liberdade após sua prisão provisória ter sido
mantida por tempo excessivo durante a investigação. Consta do auto do flagrante que, no momento da prisão, a polícia chegou e
praticamente resgatou “A” da ação de populares, que, revoltados com a alegada subtração do celular de uma adolescente, espancaram-no com socos e chutes aplicados por todo o corpo (o que de fato ficou constatado por laudo pericial requisitado pelo juízo da
custódia), amarraram-no num poste e tatuaram em sua testa, de forma improvisada: “perdeu, mané”. Consta, também, seu relato
de que, não fosse a chegada dos policiais, talvez tivesse morrido, tamanha era a fúria das pessoas que o castigaram pelo furto. Com
a chegada da polícia, os responsáveis pelas agressões correram e ninguém foi identificado. Sobre a autoria do crime ou sobre a
ocorrência da subtração, “A” se limita a dizer que “não se lembra de nada, porque apanhou muito, mas que está arrependido”. O
celular supostamente subtraído, afinal, em meio à confusão, não foi localizado. O processo se encontra na fase das alegações finais
e o Promotor de Justiça requereu a condenação de “A” por furto, aplicando-se a pena mínima, reduzida de 1/3 pela não consumação
do crime. Em relação ao caso descrito, considerando a evolução teórica da “culpabilidade” no sistema funcional-teleológico de
compreensão do delito, as regras legais expressas do Código Penal brasileiro, não obstante a resistência do Superior Tribunal de
Justiça em admiti-la para a hipótese, seria viável desenvolver, em benefício de “A”, a tese defensiva de incidência do seguinte instituto: