Quem paga a conta? O retrato da crise climática é a desigualdade
Era agosto de 2019, por volta das 15h30, o céu do país todo ficou encoberto, transformando o que era para ser dia em noite.
Todos sem entender o que estava acontecendo. Agora, novembro de 2023, calor extremo com sensação térmica de até 60°C em
alguns estados. Chuvas torrenciais com ventos que ultrapassavam 10 km/h. Infelizmente, esses acontecimentos têm como causa uma
resposta que já é praticamente automática: crise climática.
Há pouco mais de 30 anos, com o início na ECO-92, que posteriormente culminou na COP (Conferência das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas), as primeiras agendas globais sobre mudanças climáticas eram construídas. Empresas e países têm
buscado formas de reduzir as emissões de gases do efeito estufa para diminuir o ritmo do aquecimento global.
Entretanto, o alarde justo e necessário sobre as mudanças climáticas demanda uma reflexão que não pode ficar encoberta
como o céu cheio de fumaça daquele agosto de 2019. Para alguns menos imediata, ela vai além dos fenômenos da natureza e
está muito mais relacionada à distribuição de renda. Uma parcela da população ainda é esquecida, tanto pelo setor público
quanto pelo privado, ao falarmos nos impactos da ação do homem no planeta: os mais pobres. [...]
Mesmo as queimadas ocasionadas pelo desmatamento ilegal na Amazônia, que encobriram diversos estados do país em 2019,
dão um exemplo de como as populações mais vulneráveis são potencialmente mais afetadas por um problema que é de todas as
pessoas. Ao retornar em forma de fumaça e fuligem para as periferias, as queimadas contribuem para o desenvolvimento de doenças
respiratórias que, somadas às longas filas nos serviços públicos, se tornam problemas graves para essas populações.
Por sua vez, o calor extremo que vivenciamos nas últimas semanas transforma os “barracos” em verdadeiros fornos, por ainda
utilizarem materiais mais baratos que contribuem para a retenção do calor no recinto. Sem mencionar a junção do calor com a falta
de abastecimento contínuo de água em algumas regiões, que obriga essas famílias a armazenar água em garrafas PET para beber.
Os dias de frio e chuva também não são amenos em termos de problemas climáticos acentuados. Além dos alagamentos
e queda de encostas que drasticamente vitimam pessoas, os danos persistem com regiões periféricas inteiras que são “esquecidas” sem água e luz por semanas.
Nessa matemática do acúmulo, as parcelas mais privilegiadas da sociedade são também as mais beneficiadas o que acaba
aumentando o abismo da desigualdade social. Isso destinou à população mais pobre um retrato doloroso de desigualdade, uma
realidade que infelizmente acompanho diariamente com as famílias que atendemos na ONG PAC. [...]
Entre as guias dos ODS, temos a “educação de qualidade”, que considero uma das principais ferramentas para o enfrentamento
da crise climática. Explico: investir na educação significa promover oportunidades e, mais ainda, atuar para a conscientização sobre a
sustentabilidade desde a infância. Além disso, é por meio do incentivo à educação que podemos pensar em novas tecnologias sustentáveis que tenham como pressuposto o uso de materiais de baixo custo e que de fato atendam a populações mais vulneráveis.
O impacto positivo do investimento na educação e formação profissional vai além, especialmente quando pensamos nas
periferias. Contribuir com o desenvolvimento pessoal e profissional desses novos talentos significa promover uma mudança de
vida estrutural, já que esse jovem retornará para a comunidade esses conhecimentos e se tornará espelho para os demais.
Para que isso ocorra, é fundamental a construção de políticas públicas de incentivo, em que empresas apoiem projetos
educacionais, a partir da percepção de sua urgência e de que não há possibilidade de um futuro sem impactos da crise climática
sem investir na educação.
O que não dá mais é para esperar, o planeta já se cansou faz tempo. Do contrário, continuaremos remando contra a maré,
em uma conta que só cresce a cada dia e continua sendo paga por quem tem menos.
(Rosane Chene. Disponível: https://www.hojeemdia.com.br/opiniao/. Adaptado.)