De volta ao grunhido
Ouvi dizer que é cada vez maior o número de pessoas que se conhecem pela Internet e acabam casando ou vivendo juntas uma semana depois. As conversas por computador são, necessariamente, sucintas e práticas, e não permitem namoros longos, ou qualquer tipo de aproximação por etapas. Estamos longe, por exemplo, do tempo em que as pessoas se viam numa quermesse de igreja e se mandavam recados pelo alto-falante. Como as quermesses eram anuais, elas só se falavam uma vez por ano, e sempre pelo alto-falante. Quando finalmente se aproximavam, eram mais dois anos de namoro e um de noivado, e só na noite de núpcias, imagino, ficavam íntimos, e mesmo assim acho que o vovô dizia: “Com licença”. Na geração seguinte, o homem pedia a mulher em namoro, depois pedia em noivado, depois pedia em casamento, e, quando finalmente podia dormir com ela, era como chegar no guichê certo depois de preencher todas as formalidades, reconhecer todas as firmas e esperar que chamassem a sua senha. Durante o namoro, ele mandava poemas, o que sempre funcionava, e muitas mulheres de uma certa época, para serem justas, deveriam ter casado com Vinicius de Morais.
As pessoas dizem que houve uma revolução sexual. O que houve foi o fechamento de um ciclo, uma involução. No tempo das cavernas, o macho abordava a fêmea, grunhia alguma coisa e a levava para a cama, ou para o mato. Com o tempo desenvolveram-se a corte, a etiqueta da conquista, todo o ritual de aproximação que chegou a exageros de regras e restrições, e depois foi se abreviando aos poucos até voltarmos, hoje, ao grunhido básico, só que eletrônico. Fechou-se o ciclo.
A corte, claro, tinha sua justificativa. Dava à mulher a oportunidade de cumprir seu papel na evolução, selecionando para procriação aqueles machos que, durante a aproximação, mostravam ter aptidões que favoreceriam a espécie, como potência física ou econômica, ou até um gosto por Vinicius de Morais. Isso quando podiam selecionar e a escolha não era feita por elas. No futuro, quando todo namoro for pela Internet, todo sexo for virtual e as mulheres ou os homens, nunca se sabe, só derem à luz a bytes, o único critério para seleção será ter um computador com modem e um bom provedor de linha.
Talvez toda a comunicação futura seja por computador. Até dentro de casa. Será como se os nossos namorados da quermesse levassem os alto-falantes para dentro de casa. Na mesa do café, marido e mulher, em vez de falar, digitarão seus diálogos, cada um no seu terminal. E, quando sentirem falta de palavra falada e do calor da voz, quando decidirem que só frases soltas numa tela não bastam e quiserem se comunicar mesmo, como no passado, cada um pegará seu celular.
Não sei o que será da espécie. Tenho uma visão do futuro em que viveremos todos no ciberespaço, volatizados. Só nossos corpos ficarão na Terra porque alguém tem que manejar o teclado e o mouse e pagar a conta da luz.
(VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.)