Leia o texto a seguir para responder à questão.
Ciência e epidemia, construções coletivas
Vacinas, atuando por meio de agentes
semelhantes ao patógeno da doença, mas incapazes
de causá-la, geram uma memória imunológica que
nos protege da doença, às vezes por toda a vida.
Mais que seu efeito individual, porém, importa seu
efeito comunitário. Se bem utilizadas, podem
proteger até quem não se vacinou.
Epidemias são fenômenos intrinsecamente
sociais: contraímos as doenças infecciosas e as
transmitimos para as pessoas ao redor. E a reação do
grupo determina o curso e a gravidade do surto.
Se boa parte da população já tem imunidade
contra determinada doença, é mais difícil que um
indivíduo infectado contamine outras pessoas. Esse
fenômeno, inicialmente estudado em animais, é
chamado de imunidade de rebanho.
Para a gripe, observa-se a proteção comunitária
quando cerca de 40% da população é imune ao vírus;
para o sarampo, a taxa fica por volta de 95%. Se um
número suficiente de indivíduos for vacinado de modo
a atingir a imunidade de rebanho, então a população
como um todo recebe proteção contra a epidemia.
É nesse contexto que segue a busca por uma
vacina para a Covid-19. Calcula-se que atingiremos a
imunidade de rebanho quando entre 60 e 70% da
população estiver imune ao vírus. Há quem estime
que a taxa seja menor, dada a heterogeneidade da
população.
De um modo ou de outro, várias pesquisas
(inclusive brasileiras) evidenciam que sem a vacina
essas taxas não serão alcançadas no curto prazo.
Para agravar a situação, pairam dúvidas sobre a
imunidade a longo prazo para a doença.
Essa é uma batalha que precisa ser travada com
as armas da ciência. Pela primeira vez na história, o
público acompanha tão de perto e com tanta
expectativa a produção do conhecimento científico. E
esse processo pode às vezes parecer caótico.
A ciência é um processo de construção coletiva,
tão social quanto a epidemia que ela tenta enfrentar.
Esforços colossais foram canalizados para o
enfrentamento da Covid-19 — só de vacinas temos
135 iniciativas, 22 delas sendo testadas em humanos
(duas das quatro que estão no último estágio de
ensaios em humanos estão sendo testadas no
Brasil). Enquanto assistimos ao desenrolar dessa
busca, vemos o fracasso de projetos promissores e o
questionamento de informações antes tidas por favas
contadas.
Esse processo de construção do conhecimento
científico costuma se estender por anos. Mas a
urgência e a intensidade da pesquisa sobre a
Covid-19 têm forçado adaptações e
aperfeiçoamento.
A demanda do público por informação vem
estimulando estudiosos a melhorar o modo de
comunicar seus achados e também as discussões
sobre a construção do conhecimento. É um momento
único: pela primeira vez experimentamos uma
pandemia de tais proporções, com os atuais níveis de
conhecimento científico e recursos de comunicação.
Vamos torcer para que as pessoas, confrontadas
com estudos de resultados conflitantes, descubram
um pouco mais a respeito da formação do
conhecimento científico. E, com sorte, passem a
admirar a beleza e o esforço envolvido na construção
da ciência.
Gabriella Cybis
Folha de São Paulo, 15/07/2020