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Q645984 Português

CARBOIDRATOS ABSOLVIDOS

Em algum ponto da história da evolução de nossa espécie “ganhamos” cérebros maiores, capazes de executar atividades cada vez mais complexas, decisivas para nos separar de nossos parentes mais próximos, os grandes primatas africanos, como chimpanzés e gorilas. Cérebros maiores e mais complexos são custosos do ponto de vista energético,e exigiram que nossos antepassados se desdobrassem para encontrar mais alimentos. Durante décadas, defendeu-se que ingerir carne (proteína animal) e aprender a cozinhar, graças ao domínio do fogo, foram os grandes responsáveis por esse salto quantitativo e qualitativo em nossa busca por mais e melhores “combustíveis” para nosso organismo. Mas outros animais também sempre comeram carne e nem por isso conseguiram chegar, do ponto de vista social e cognitivo, aonde chegamos. Agora, um novo trabalho publicado na revista científica Quarterly Review of Biology e noticiado pelo jornal inglês Daily Mail aponta mais um responsável pelo sustento de nossa alta complexidade cerebral. Alguém arrisca um palpite? Acertou quem apostou nos carboidratos, na forma de amido, presentes em tubérculos como nossa boa e velha batata. O trabalho, realizado por pesquisadores da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, traz alguns dados que reforçam a hipótese de os carboidratos terem sido centrais na evolução do cérebro humano. O órgão consome cerca de 25% de nossas fontes diárias de energia e 60% da glicose, molécula produzida a partir da digestão dos carboidratos. A nova teoria sugere que cozinhar vegetais e carnes facilitou nossa evolução, ao permitir que os nutrientes dos alimentos se tornassem mais assimiláveis e palatáveis e, também, ao possibilitar a ingestão de maior quantidade em intervalos mais curtos. Sobrava, assim, mais tempo para interações sociais. A existência de seis genes relacionados à digestão do carboidrato é outro indício de que contamos com adaptações para aproveitar, da melhor maneira possível, os carboidratos. Esses genes produzem uma substância que ajuda a quebrar em moléculas menores o amido, chamada amilase. Outros primatas têm apenas dois deles. Esses genes adicionais parecem ter surgido no último milhão de anos, tempo que bate com o de nosso crescimento cerebral, que ocorreu de 800 mil anos para cá. Em resumo, disponibilidade de amido na forma de tubérculos, maior expressão dos genes da amilase e habilidade para cozinhar tubérculos parecem ter sido fatores que se combinaram para garantir mais glicose para o cérebro. Isso tudo possibilitou energia extra para o desenvolvimento fetal, para a lactação e para a sobrevivência da prole, fazendo com que essa adaptação fosse transmitida de geração em geração. Curioso pensar que o mesmo carboidrato que possibilitou nossa evolução hoje é considerado um dos grandes vilões da obesidade, um problema de saúde pública.

O estilo coloquial, assumido pelo autor do texto, está melhor evidenciado em:
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