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Q1860904 Português
Atenção: Considere a crônica de Machado de Assis, publicada em 09 de fevereiro 1896, para responder à questão. 

     Pessoa que já serviu na polícia secreta de Londres e de New York tem anunciado nos nossos diários que oferece os seus préstimos para descobrir coisas furtadas ou perdidas. Não publica o nome; prova de que é realmente um ex-secreta* inglês ou americano. A primeira ideia do ex-secreta local seria imprimir o nome, com indicação da residência. Não há ofício que não traga louros, e os louros fizeram-se para os olhos dos homens. Não tenho perdido nada, nem por furto, nem por outra via; deixo de recorrer aos préstimos do anunciante, mas aproveito esta coluna para recomendá-los aos meus amigos e leitores.

    Pois que a fortuna trouxe às nossas plagas um perfeito conhecedor do ofício, erro é não aproveitá-lo. Não se perdem somente objetos: perdem-se também vidas, nem sempre se sabe quem é que as leva. Ora, conquanto não se achem as vidas perdidas, importa conhecer as causas da perda, quando escapam à ação da lei ou da autoridade. Não foi assassínio, mas suicídio, o dessa Ambrosina Cananeia, que deixou a vida esta semana. Era uma pobre mulher trabalhadeira, com dois filhos adolescentes e mãe valetudinária**; morava nos fundos de uma estalagem da rua da Providência. O filho era empregado, a filha aprendia a fazer flores... Não sei se te lembras do acontecimento: tais são os casos de sangue destes dias que é natural vir o fastio e ir-se a memória. Pois fica lembrado.

    A causa do suicídio não foi a pobreza, ainda que a pessoa fosse pobre. Nem desprezo de homem, nem ciúmes. A carta deixada dizia em começo: “Vou dar-te a última prova de amizade... É impossível mais tolerar a vida por tua causa; deixando eu de existir, você deixa de sofrer.” Você é uma mocinha de dezesseis anos, vizinha, dizem que bonita, amiga da morta. Segundo a carta, a mocinha era castigada por motivo daquela afeição, tudo de mistura com um casamento que lhe queriam impor.

     O que é único, é esta amiga que se mata para que a outra não padeça. A outra era diariamente espancada, quase todos os vizinhos o sabiam pelos gritos e pelo pranto da vítima − “tudo por causa da nova amizade”. Não podendo atalhar o mal da amiga, Ambrosina buscou um veneno, meteu no seio as cartas da amiga e acabou com a vida em cinco minutos. “Adeus, Matilde; recebe o meu último suspiro”.

    Os tempos, desde a antiguidade, têm ouvido suspiros desses, mas não são últimos. Que a morte de uma trouxesse a da outra, voluntária e terrível, não seria comum, mas confirmaria a amizade. As afeições grandes podem não suportar a viuvez. Quem eu quisera ouvir sobre isto era o ex-secreta de Londres e de New York, onde a polícia pode ser que penetre além do delito e suas provas, e passeie na alma da gente, como tu, por tua casa. 

 * secreta: agente secreto.
** valetudinário: que ou o que é de constituição física débil, doentia, sempre sujeito a enfermidades. 

(Adaptado de: ASSIS, Machado de. Crônicas escolhidas. São Paulo: Companhia das Letras, 2013)
O cronista dirige-se explicitamente a seu leitor no seguinte trecho: 
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A) CERTO- Não sei se te lembras do acontecimento: tais são os casos de sangue destes dias que é natural vir o fastio e ir-se a memória. (2° parágrafo) - Machado fala com o leitor, comentando da seguinte forma: Leitor, são tantos os casos de sangue no dia a dia, que não sei se você lembra desse acontecimento.

B) ERRADO- Vou dar-te a última prova de amizade... É impossível mais tolerar a vida por tua causa; deixando eu de existir, você deixa de sofrer. - "VOU DAR-TE- é a pessoa que se suicidou (a mulher pobre, trabalhadeira) que está falando na carta de suicídio, se direcionando para sua vizinha (a tal mocinha de 16 anos).

C) ERRADO- Você é uma mocinha de dezesseis anos, vizinha, dizem que bonita, amiga da morta. (3° parágrafo) - Remete muito a resposta da LETRA B, pois é a pessoa que se suicidou falando com sua vizinha.

D) ERRADO- Os tempos, desde a antiguidade, têm ouvido suspiros desses, mas não são últimos. (5° parágrafo)- não faz nenhuma direção ao leitor, quanto mais EXPLÍCITA.

E) ERRADO- Ora, conquanto não se achem as vidas perdidas, importa conhecer as causas da perda, quando escapam à ação da lei ou da autoridade. (2° parágrafo)- não faz nenhuma direção ao leitor, quanto mais EXPLÍCITA.

GABARITO: LETRA A

que texto triste!

a) Não sei se te(você) lembras do acontecimento: tais são os casos de sangue destes dias que é natural vir o fastio e ir-se a memória. (2° parágrafo) "obs. solicitasse de forma explicita " ai tá implícito

B) (eu)Vou dar-te(você) a última prova de amizade... É impossível mais tolerar a vida por tua causa; deixando eu de existir, você deixa de sofrer. (3° parágrafo) obs. tá explicito na (B)

"A" foi dada como gabarito, mas tá implícito e não explicito como pede o comando da questão. vai entender.

Machado de Assis é genial! Um verdadeiro ourives das palavras.

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