Ao receber o Baiacu de Ouro, o narrador mostra-se
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Com base no mesmo assunto
Ano: 2022
Banca:
FCC
Órgão:
DPE-AM
Prova:
FCC - 2022 - DPE-AM - Assistente Técnico de Defensoria Especialidade: Assistente Técnico Administrativo |
Q2372507
Português
Texto associado
Você talvez conheça o baiacu, ou os sabores desse peixe. Eu conheço outro: o Baiacu de Ouro, um prêmio literário que recebi
em Manaus há uns vinte anos.
Um dia alguém me telefonou e deu a notícia. Agradeci com duas palavras e disse que eu não ia fazer discurso na solenidade
de entrega. Minha surpresa maior foi o envelope balofo que recebi junto com o Baiacu. Não era um cheque, era dinheiro mesmo. Mas
como a inflação também era balofa, meu ânimo arrefeceu.
Tive que ouvir um discurso, felizmente breve, e mesmo brevíssimo, sem firulas e salamaleques. Depois, quatro músicos
interpretaram o “Quarteto No
1”, de Villa-Lobos. Eram músicos búlgaros, louros de rostos rosados, e todos usavam traje a rigor na
noite abafada. O envelope gordo não entrava no meu bolso, tive que segurá-lo enquanto ouvia o primeiro movimento do Quarteto do
grande compositor. Depois do “Canto lírico” me entreguei a um devaneio: não fosse a queda do Muro de Berlim, esses virtuosos das
cordas não estariam interpretando com esmero “Melancolia” diante de um escritor emocionado, que apalpava um envelope obeso.
Esses músicos são a maior contribuição da queda do Muro para o Amazonas, pensei, prestando atenção à harmonia, vendo mãos
búlgaras movimentar arcos e beliscar cordas, o suor escorrendo de queixos e orelhas dos Bálcãs até gotejar no assoalho de uma
cidade amazônica.
Aplaudi de pé, o coração disparado.
Quando saí da sala, abri o envelope, contei as cédulas de cruzados: dava para alimentar meu gato por três meses e ainda
levá-lo a um bom veterinário.
(Adaptado de: HATOUM, Milton. Sete crônicas. Belo Horizonte: Páginas Editora, 2020, edição digital)
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