No enunciado “Ao me deparar com a guerra de narrativas nas ...
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Ano: 2021
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
HEMOBRÁS
Provas:
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|
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Q3230490
Português
Texto associado
Os cordéis e as notícias: a rede e o fio que nos unem
Ao aproximar as narrativas rimadas dos cordéis às notícias
que vemos publicadas
nas redes sociais, pude atestar que sempre estivemos em
busca de histórias.
Era uma vez, num tempo não tão distante, um lugar
onde as pessoas se acotovelavam diante de uma fileira de
folhas soltas, penduradas em um varal. Era a feira da cidade.
Ou a praça pública onde as pessoas se reuniam costumeiramente. Curiosas e ávidas por uma boa história, elas queriam
saber das novidades, do que acontecia ali perto e lá longe,
em um lugar desconhecido, que sabiam existir mesmo sem
nunca terem visto. Assim nasceram os cordéis, histórias e
notícias soltas balançando ao sabor do vento, impressas em
tipos cuidadosamente organizados para prender o leitor
àquela narrativa e fazer com que, na semana seguinte, lá estivesse ele de novo, em busca de se conectar com o mundo.
Corta para o século XXI. Alguém está diante de uma tela
de luz azulada e clica de um quadro para outro em busca das
notícias, que também estão soltas, e ainda permanecem
sendo produzidas cuidadosamente para que, no minuto
seguinte, a pessoa busque por mais e mais informações
sobre aquele tema. Ou se perca nos quadrados, clicando em
atalhos a ponto de esquecer qual foi o fio da meada. Como
podemos observar, o cordão que nos une continua sendo
um só: as histórias. Reais ou imaginárias, fatos ou ficção,
informação ou fake news, estamos em busca de conexão,
razão e sentido para entendermos o que acontece, e principalmente, o que nos acontece.
Essas reflexões fizeram parte do meu cotidiano durante
os últimos quatro anos, tempo em que me dediquei à
pesquisa sobre cordéis brasileiros, paixão que herdei de meu
pai, sertanejo amante de uma boa peleja. Elas originaram a
obra “Heróis e heroínas do cordel”, meu novo livro, que
acabou de sair pela Companhia das Letrinhas. Em busca das
histórias ancestrais que arrebataram meu pai e muitas
gerações antes (e depois) dele, me deparei com muitos
relatos de que eram os cordéis que representavam “...para
as classes pobres (...) o que hoje é mais ou menos a internet
para todos nós”, como diz o grande artista e pesquisador da
cultura popular Antônio da Nóbrega no posfácio do livro.
Juntei as pontas do meu traçado como pesquisadora, unindo
as histórias de tradição oral, foco da minha pesquisa, ao
jornalismo, ofício que escolhi seguir há mais de 30 anos.
“Vendidos nas feiras livres/ Pendurados num cordão/
Esses livretos viraram/ O jornal da região/ Levando conhecimento/ Àquela população”, diz o famoso cordelista Moreira de Acopiara, autor de mais de 100 cordéis, em seu “Beabá
dos cordéis”. Da morte de Getúlio Vargas às façanhas de
Lampião, chegando até à Covid-19, é possível encontrar o
registro da História do Brasil e do mundo nos livretos, que
hoje fazem parte do nosso patrimônio cultural. Em 2018, o
Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)
declarou a literatura de cordel como Patrimônio Cultural
Imaterial Brasileiro, o mais justo reconhecimento à literatura que ajudou a moldar a formação literária de tantos
brasileiros como Ariano Suassuna, Manuel Bandeira, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, por exemplo. Essas narrativas,
primorosamente construídas em seis versos com sete
sílabas, como a maioria dos cordéis ancestrais foi escrita,
contam bem mais do que os fatos ocorridos no país, revelam
sobre o nosso povo, sobre a maneira como vemos, lemos e
construímos as nossas histórias.
Ao aproximar as narrativas rimadas dos cordéis às
notícias que vemos publicadas nas redes sociais, que usam
os vídeos, dancinhas e memes como recursos imagéticos
para nos colocar no centro da história, pude atestar que
sempre estivemos em busca da mesma matéria: a narrativa
que emociona, inquieta, horroriza, faz pensar. A história que
impacta, que revela nossas facetas e nos conta como somos
semelhantes, mesmo quando escolhemos contar a nossa
história sob o ponto de vista que nos interessa e nos favorece.
E por que escolhi as histórias que tratam de heróis e
heroínas? Não bastasse que elas sejam a grande matriz de
todas as histórias, como diz o mitólogo Joseph Campbell,
observei que as nossas notícias seguem na primeira página
quando narram feitos extraordinários, para o bem e para o
mal. O cotidiano e suas pequenezas que servem de mote e
inspiração aos cronistas acabam ocupando as páginas internas, e não ascendem às manchetes por serem próximas demais das nossas miudezas como seres humanos. Queremos
outras experiências, que nos levem a outros mundos e nos
apresentem outras possibilidades e realidades. Como num
videogame, queremos ser muitos e fazer diversas escolhas,
e por isso já estamos aguardando ansiosamente o metaverso, porque a realidade não tem sido nada, nada encantadora. Descobrir beleza no meio da pandemia, sabemos por
experiência própria, não é nada mágico...
Ao me deparar com a guerra de narrativas nas redes
sociais, olho para as belíssimas e emocionantes pelejas do
cordel – que hoje se manifestam com a mesma força e
brilhantismo nos SLAMs – e me pergunto onde se escondeu
o encanto da verdadeira guerra das palavras que transforma. Talvez estejamos em guerra conosco mesmos, e
nessa babel de vozes, nos demos conta de que perdemos as
nossas, e então, tomamos emprestado narrativas alheias (no
sentido literal, que alienam mesmo).
Os cordéis deram voz aos nossos antepassados, que
nunca se calaram mesmo sendo analfabetos, muito pelo
contrário, se empoderaram de suas histórias como um motor de expressão. Penso que talvez tenhamos de nos enxergar como heróis e heroínas que estamos resistindo a esses
tempos em que somos empanturrados de narrativas que
nos calam e nos distraem do nosso verdadeiro propósito, que é seguir entendendo as razões pelas quais estamos aqui,
ajudando uns aos outros a enfrentar nossas batalhas. O
cordão que nos une é feito dessa teia que devemos tecer
juntos, como raça humana. São essas histórias que precisamos ler, escrever, curtir, contar e compartilhar.
(ALVES, Januária Cristina. Os cordéis e as notícias: a rede e o fio que nos
unem. Nexo, 2021. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2021/Os-cord%C3%A9is-eas-not%C3%ADcias-a-rede-e-o-fio-que-nos-unem. Acesso em:
02/11/2021. Adaptado.)
No enunciado “Ao me deparar com a guerra de narrativas
nas redes sociais, olho para as belíssimas e emocionantes
pelejas do cordel [...]” (7º§), a oração destacada é
conhecida como oração subordinada adverbial reduzida de
infinitivo. Assinale a afirmativa que contém essa mesma
oração na sua adequada forma desenvolvida.