Considere o termo sublinhado no trecho “Decerto Braga se emo...
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Ano: 2024
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
Prefeitura de Pouso Alegre - MG
Prova:
Instituto Consulplan - 2024 - Prefeitura de Pouso Alegre - MG - Agente Administrativo |
Q2605097
Português
Texto associado
Os cães engarrafados
“Nunca vi boa amizade nascer em leiteria”, disse certa vez Vinicius de Moraes, inveterado beberrão, para quem o melhor
termômetro de afetos era uma garrafa de uísque – uma, no caso, é modo de dizer, pois melhor se fossem duas, três, quatro.
“Uísque é o cachorro engarrafado”, concluiu, certamente depois de algumas doses. Não é improvável que esse diagnóstico
etílico tenha surgido durante um pileque com Rubem Braga, outro voraz consumidor de malte.
Além da dedicação às garrafas, os dois amigos tinham vários pontos em comum: nasceram no mesmo 1913, exerceram
postos diplomáticos e foram grandes gozadores dos prazeres da vida, apaixonando-se com tremenda facilidade. Braga, dos
nossos maiores cronistas, fez também poesia. Vinicius, dos nossos maiores poetas, também escreveu crônica. E os dois foram,
cada um ao seu modo, renomados anfitriões.
Em 1951, quando Vinicius retornou de Los Angeles, onde atuava como vice-cônsul, trouxe nada mais que 480 garrafas de
uísque, divididas em 40 caixas. Era, certamente, o maior estoque de uísque do Rio de Janeiro. Não demorou para que sua casa,
no Leblon, virasse um ponto de encontro da intelectualidade carioca.
Em Ipanema, a famosa cobertura de Rubem Braga vivia destrancada. O amigo que quisesse desfrutar daquele jardim
suspenso precisava só pegar a escadinha do décimo segundo andar e abrir a porta. O uísque estava lá à disposição. Braga, nem
sempre – às vezes, dependendo de seu humor, sequer se levantava da rede para receber a visita.
“Rubem Braga é, sabidamente, um conhecedor de passarinhos”, começa Vinicius com a advertência. Conhece tudo de
tico-tico, curió, sanhaço, cardeal, sabiá, “mas em matéria de canário trata-se de um otário completo e acabado”. O cronista
vinha pela Cinelândia quando topou com um vendedor. Ele oferecia um casal de canários numa gaiola “dividida por uma
separação levadiça em dois compartimentos, um para o macho, outro para a fêmea”. A graça era abrir a portinhola do macho,
deixá-lo voar livremente e vê-lo voltar assim que a fêmea piasse. O rapaz fez uma demonstração do número e convenceu o
cliente.
Decerto Braga se emocionou com aquele espécime masculino que trocava a liberdade pela companhia da amada.
Chegando em casa, quis rever o espetáculo. “E lá se foi o canarinho pelo azul afora, em lindas evoluções”, até que a fêmea o
chamasse. Ele voltou e ficou parado diante da portinhola, sem entrar. Braga, apreensivo, tentou atraí-lo com uma suculenta
folha de alface, mas o bicho não bicou a isca. E a fêmea, no descuido do cronista que procurava um encaixe para a verdura, “fez
força com o biquinho e acabou por erguer a portinhola”. Dali para o Jardim Botânico não teve nem graça. “Canário, hein
Braguinha?”, cutucou o amigo.
De Braga para Vinicius, a primeira homenagem veio durante a temporada norte-americana do poeta, período em que ficou
cinco anos sem retornar para o Brasil. Do Rio, o colega enviou-lhe um “Bilhete para Los Angeles”, um dos poucos de sua diminuta
lavra de poemas. Os versos de escárnio são puro carinho de mãos ásperas. “Só queres amor e ócio/capadócio!” e “Tanto mal
que já fizeste/cafajeste!”, querem dizer, na verdade, “Deus te dê vida e saúde/em Hollywood!”.
Poucos meses depois de Vinicius morrer, em 1980, Braga voltou a escrever para ele, agora com uma notícia grave: a
primavera tinha chegado e aquela era a primeira, desde 1913, sem a participação do poeta. Sabendo do hábito epistolar dos
amigos, “Recado de primavera” fica ainda mais comovente. “Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na
placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias.” O mar estava virado, e da varanda do cronista era possível
ver “uma vaga de espuma galgar o costão sul da ilha das Palmas” – tudo isso, diz, são “violências primaveris”. Um tico-tico,
“com uma folhinha seca de capim no bico”, começara a construir seu ninho. E as “moitas de azaleias e manacás em flor” traziam
promessas da vida. “O tempo vai passando, poeta”, arremata Rubem. “Chega a primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua
música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui – a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças
em flor. Adeus.”
(TAUIL, Guilherme. Disponível em: https://cronicabrasileira.org.br/. Acesso em: 22/03/2024.)
Considere o termo sublinhado no trecho “Decerto Braga se emocionou com aquele espécime masculino que trocava a
liberdade pela companhia da amada.” (6º§). Caso reescrita a frase, os advérbios/locuções adverbiais dispostos nas alternativas corretamente o poderiam substituir sem alteração de sentido, EXCETO: