De acordo com a norma-padrão da Língua Portuguesa e levando...
Todos os que já se concentraram sobre o tema constatam, sem maiores dificuldades, que não se trata de coisa fácil definir o que é saúde.
Saúde faz parte daquele conjunto de termos paradoxais que, de um lado, são usados na fala de todos os dias e, de outro, são de muito difícil definição ou identificação como entidades concretamente existentes.
Uma das maiores dificuldades para se definir saúde consiste em que, não sendo, em si, uma coisa ou fato, só passa a sê-lo através ou a partir da doença ou mal-estar, estes sim, como já assinalava Schopenhauer, coisas ou fatos incontestes.
Com efeito, qual, em português, o nome ou expressão linguística positiva para o “fato” saudável que se pode identificar como “ausência de dor de barriga”? Nenhum, e isso pela simples razão de que, ao contrário da linguisticamente “positiva” “dor de barriga”, ato real e perfeitamente atestável, a ausência desta não existe como entidade nomeável positivamente fora da comparação com a dor de barriga. E isso por quê? Porque a ausência de dor de barriga (ou de cabeça, ou nas costas, ou qualquer outra), em si, faz parte daqueles estados considerados “normais” e, portanto, “não merecedores” de um nome específico.
Isso é um indicador de que a saúde é algo transitório, que se pode e que se costuma com frequência “perder”, ao contrário da doença, entidade original e mais permanente: com efeito, pode-se perguntar por que, entre nós brasileiros, pode-se dizer “Eu perdi minha saúde”, mas não se pode dizer “Eu perdi minha doença”.
Lefévre, Fernando. Mitologia Sanitária: Saúde, Doença, Mídia e Linguagem. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.