No trecho “Foi conversar com a empregada, antiga sacerdotisa...
Texto CG1A1
Na casa vazia, sozinha com a empregada, já não andava como um soldado, já não precisava tomar cuidado. Mas sentia falta da batalha das ruas. Melancolia da liberdade, com o horizonte ainda tão longe. Dera-se ao horizonte. Mas a nostalgia do presente. O aprendizado da paciência, o juramento da espera. Do qual talvez não soubesse jamais se livrar. A tarde transformando-se em interminável e, até todos voltarem para o jantar e ela poder se tornar com alívio uma filha, era o calor, o livro aberto e depois fechado, uma intuição, o calor: sentava-se com a cabeça entre as mãos, desesperada. Quando tinha dez anos, relembrou, um menino que a amava jogara-lhe um rato morto. Porcaria! berrara branca com a ofensa. Fora uma experiência. Jamais contara a ninguém. Com a cabeça entre as mãos, sentada. Dizia quinze vezes: sou vigorosa, sou vigorosa, sou vigorosa — depois percebia que apenas prestara atenção à contagem. Suprindo com a quantidade, disse mais uma vez: sou vigorosa, dezesseis. E já não estava mais à mercê de ninguém. Desesperada porque, vigorosa, livre, não estava mais à mercê. Perdera a fé. Foi conversar com a empregada, antiga sacerdotisa. Elas se reconheciam. As duas descalças, de pé na cozinha, a fumaça do fogão. Perdera a fé, mas, à beira da graça, procurava na empregada apenas o que esta já perdera, não o que ganhara. Fazia-se pois distraída e, conversando, evitava a conversa. “Ela imagina que na minha idade devo saber mais do que sei e é capaz de me ensinar alguma coisa”, pensou, a cabeça entre as mãos, defendendo a ignorância como a um corpo. Faltavam-lhe elementos, mas não os queria de quem já os esquecera. A grande espera fazia parte. Dentro da vastidão, maquinando.
Clarice Lispector. Preciosidade. In: Laços de Família.
Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 86-87 (com adaptações).
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Comentários
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Gabarito: A
Perdera a fé, mas, à beira da graça, procurava na empregada apenas o que esta já perdera, não o que ganhara.
Perdera a fé, mas, à beira da graça, procurava na empregada apenas o que a empregada já perdera, não o que ganhara.
Gab.: A
“Foi conversar com a empregada, antiga sacerdotisa. Elas se reconheciam. As duas descalças, de pé na cozinha, a fumaça do fogão. Perdera a fé, mas, à beira da graça, procurava na empregada apenas o que esta já perdera, não o que ganhara.”
"Esta" sempre se reporta aquilo que está próximo, no caso deste trecho, a empregada!
Significado de Esta:
pronome Indica algo que está perto de quem fala: esta bolsa é minha! [Gramática] Indica um tempo presente, não se refere ao passado ou ao futuro: esta é a melhor fase da minha vida. [Gramática] Refere-se ao que será dito, não retoma uma ideia anterior: esta crítica que escrevo é para publicar.
...procurava na empregada apenas o que esta já perdera
...procurava na empregada apenas o (aquilo) que (a qual) esta já perdera.
É tão óbvio que voltei ao texto umas 5 vezes procurando um peguinha do examinador (°,°)
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