Acerca do tema justiça, no texto CG1A1-I, o autor faz essen...
Texto CG1A1-I
Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um fato notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.
Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos quando se ouviu soar o sino da igreja. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. “O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino”, foi a resposta do camponês. “Mas então não morreu ninguém?”, tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: “Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta”.
Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à proteção da justiça. Tudo sem resultado, a espoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar a morte da Justiça. Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias.
Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira cotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em ação, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.
José Saramago. Este mundo da injustiça globalizada.
Internet:<dominiopublico.gov.br>
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Gabarito comentado
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O autor realiza uma reflexão acerca da justiça e do seu papel na sociedade, apresentando uma visão construtiva e integrada sobre o tema.
Divagação se refere ao ato de vaguear mentalmente ou de se desviar do assunto principal; é um pensamento sem rumo ou método. Esta opção não se aplica ao texto, pois o autor não apresenta argumentos de maneira aleatória ou vaga.
Também não se trata de uma suposição ou conjectura, pois o autor não está realizando deduções a partir de elementos ou evidências. Da mesma forma, não é uma constatação, já que não há comprovação de fatos.
O gabarito da questão é a alternativa C - reflexões.
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Comentários
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Ele faz uma REFLEXÃO sobre o que afinal deveria ser a justiça, seu papel social. E faz isto de uma forma encadeada, construtiva, como reunindo pequenos elementos para formar a visão do todo.
DIVAGAÇÃO → ato ou efeito de divagar, de vaguear ou andar sem rumo. Desvio do assunto principal; digressão
pensamento vago ou não metódico; devaneio. Não poderia ser esta, porque ele não argumenta de forma vaga, aleatória.
Também não caberia ser uma SUPOSIÇÃO ou CONJECTURA por ele não estar fazendo uma dedução com base em elementos / evidências. E nem uma CONSTATAÇÃO, porque ele não faz uma comprovação com base em fatos.
Gab : C
Prestem atenção no trecho abaixo e vejam as reflexões grifadas
justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira cotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em ação, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.
Perceba que ele faz uma reflexão sobre a justiça.
Nos 3 primeiros parágrafos o autor faz uma constatação de um fato que ocorreu com um camponês e a resposta correta é que ele fez uma reflexão. Muito bom!
Apenas a partir da metade do quarto parágrafo o autor faz uma reflexão.
Normalmente as reflexões psicológicas são efectuadas pelas pessoas que "pensam", "questionam" o que as rodeia. A reflexão psicológica é muitas vezes utilizada na . Refletir é pensar, abordar um tema, que nos intriga, por vezes.
Não sabia então fui pesquisar :
Divagações => Digressões; afastamento do assunto principal: expressava-se com divagações. Delírios; raciocínio confuso; pensamento sem nexo.
Conjecturas => ato ou efeito de inferir ou deduzir que algo é provável, com base em presunções, evidências incompletas, pressentimentos; conjetura, hipótese, presunção, suposição
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