O questionamento feito no 11º§: “Que sentido haveria em pen...
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Ano: 2023
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
CRF-MG
Prova:
Instituto Consulplan - 2023 - CRF-MG - Assistente Administrativo |
Q2193893
Português
Texto associado
LÍNGUA PORTUGUESA
A arte de envelhecer
Achei que estava bem na foto. Magro, olhar vivo, rindo
com os amigos na praia. Quase não havia cabelos brancos
entre os poucos que sobreviviam. Comparada ao homem de
hoje, era a fotografia de um jovem.
Tinha 50 anos naquela época, entretanto, idade em que
me considerava bem distante da juventude. Se me for dado o
privilégio de chegar aos noventa em pleno domínio da razão, é
possível que uma imagem de agora me cause impressão semelhante.
O envelhecimento é sombra que nos acompanha desde
a concepção: o feto de seis meses é muito mais velho do que
o embrião de cinco dias.
Lidar com a inexorabilidade desse processo exige uma
habilidade na qual somos inigualáveis: a adaptação. Não há
animal capaz de criar soluções diante da adversidade como
nós, de sobreviver em nichos ecológicos que vão do calor
tropical às geleiras do Ártico.
Da mesma forma que ensaiamos os primeiros passos por
imitação, temos que aprender a ser adolescentes, adultos e a
ficar cada vez mais velhos.
A adolescência é um fenômeno moderno. Nossos ancestrais passavam da infância à vida adulta sem estágios intermediários. Nas comunidades agrárias, o menino de sete anos trabalhava na roça e as meninas cuidavam dos afazeres domésticos antes de chegar a essa idade.
A figura do adolescente que mora com os pais até os 30
anos, sem abrir mão do direito de reclamar da comida à mesa
e da camisa mal passada, surgiu nas sociedades industrializadas
depois da Segunda Guerra Mundial. Bem mais cedo, nossos
avós tinham filhos para criar.
A exaltação da juventude como o período áureo da existência humana é um mito das sociedades ocidentais. Confinar
aos jovens a publicidade dos bens de consumo, exaltar a estética, os costumes e os padrões de comportamento característicos dessa faixa etária, tem o efeito perverso de insinuar que o
declínio começa assim que essa fase se aproxima do fim.
A ideia de envelhecer aflige mulheres e homens modernos, muito mais do que afligia nossos antepassados. Sócrates
tomou cicuta aos 70 anos, Cícero foi assassinado aos 63,
Matusalém, sabe-se lá quantos anos teve, mas seus contemporâneos gregos, romanos ou judeus viviam em média 30
anos. No início do século 20, a expectativa de vida ao nascer,
nos países da Europa mais desenvolvida, não passava dos 40
anos.
A mortalidade infantil era altíssima, epidemias de peste
negra, varíola, malária, febre amarela, gripe e tuberculose dizimavam populações inteiras. Nossos ancestrais viveram num
mundo devastado por guerras, enfermidades infecciosas, escravidão, dores sem analgesia e a onipresença da mais temível das criaturas.
Que sentido haveria em pensar na velhice, quando a
probabilidade de morrer jovem era tão alta? Seria como hoje
preocupar-nos com a vida aos cem anos de idade, que pouquíssimos conhecerão.
Os que estão vivos agora têm boa chance de passar dos
oitenta. Se assim for, é preciso sabedoria para aceitar que nossos atributos se modificam com o passar dos anos. Que nenhuma cirurgia devolverá, aos 60, o rosto que tínhamos aos
18, mas que envelhecer não é sinônimo de decadência física
para aqueles que se movimentam, não fumam, comem com
parcimônia, exercitam a cognição e continuam atentos às
transformações do mundo.
Considerar a vida um vale de lágrimas no qual submergimos de corpo e alma ao deixar a juventude é torná-la experiência medíocre. Julgar aos 80 anos que os melhores foram
aqueles dos 15 aos 25 é não levar em conta que a memória
é editora autoritária, capaz de suprimir por conta própria as
experiências traumáticas e relegar ao esquecimento as inseguranças, medos, desilusões afetivas, riscos desnecessários
e as burradas que fizemos nessa época.
Nada mais ofensivo para o velho do que dizer que ele
tem “cabeça de jovem”. É considerá-lo mais inadequado do
que o rapaz de 20 anos que se comporta como criança de dez.
Ainda que maldigamos o envelhecimento, é ele que nos
traz a aceitação das ambiguidades, das diferenças, do contraditório e abre espaço para uma diversidade de experiências com as quais nem sonhávamos anteriormente.
(VARELLA. Drauzio. A arte de envelhecer. Disponível em:
https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/a-arte-de-envelhecer-artigo/.
Em: 02/2016. Adaptado.)
O questionamento feito no 11º§: “Que sentido haveria em
pensar na velhice, quando a probabilidade de morrer jovem
era tão alta?”, cuja resposta é dada no mesmo período, tem
como objetivo: