Durante a investigação de Raider, Chaise, Marchal, Iscai e R...

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Q1869782 Direito Processual Penal

Durante a investigação de Raider, Chaise, Marchal, Iscai e Roque por associação criminosa, roubo e furto de veículos automotores, corrupção consistente no pagamento de propina a funcionários do Detran/MS e lavagem de dinheiro referente ao valor ilícito recebido da venda de veículos adulterados, a oitiva de Dagoberto fez menção à possível evasão de divisas, sem o fornecimento de elementos de prova que confirmassem tal alegação. A investigação revelou, por derradeiro, que Raider, deputado estadual, chefiava o grupamento criminoso e era quem determinava os modelos de veículos que deveriam ser subtraídos. Recebendo os autos do inquérito policial, o promotor de justiça da comarca em que os delitos foram praticados ofereceu denúncia contra os investigados, deixando de adotar qualquer providência em relação ao suposto delito contra o Sistema Financeiro Nacional.

A competência para o processo e julgamento do caso penal (desprezada a eventual necessidade de controle por instância superior) é: 

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Raider, a despeito de estar como deputado federal, não possui, no caso, foro por prerrogativa de função, uma vez que os crimes não estão relacionados às funções desempenhadas. A seguir, colaciono recortes jurisprudenciais que fundamentam o tema, com destaques oportunos:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS. COMPETÊNCIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. INTERPRETAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. POSSIBILIDADE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ANALISAR SUA PRÓPRIA COMPETÊNCIA. REGRA DA KOMPETENZ-KOMPETENZ. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ART. 105, I, "A" DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. [...]

2. Todo e qualquer magistrado deve aplicar o direito, de acordo com a incidência das normas jurídicas, sempre tendo em conta as regras e os princípios previstos na Constituição da República, sem o que restaria inviabilizada a própria interpretação sistemática do ordenamento jurídico.

3. O foro especial no âmbito penal é prerrogativa destinada a assegurar a independência e o livre exercício de determinados cargos e funções de especial importância, isto é, não se trata de privilégio pessoal. O princípio republicano é condição essencial de existência do Estado de Direito, razão pela qual o republicanismo caminha, pari passu, com a supressão dos privilégios, devendo ser afastadas da interpretação constitucional os princípios e regras contrários ao elemento axiológico da igualdade.

5. Desse modo, ao art. 105, I, "a", da Constituição Federal, deve ser conferida interpretação de forma a atender o princípio republicano, do qual é corolário a vedação de privilégios de qualquer espécie, com ênfase na interpretação restritiva das exceções, segundo a qual o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

8. Assim, é de se conferir ao enunciado normativo do art. 105, I, "a", da CF, o mesmo sentido e alcance atribuído pelo Supremo Tribunal Federal ao art. 102, I, "b" e "c", restringindo-se, desse modo, as hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função - no caso concreto, o de Governador de Estado -, porquanto "onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito".

9. Destarte, reconhecida a incompetência do Superior Tribunal de Justiça, determina-se a remessa dos autos a uma das Varas Criminais da Capital do Estado da Paraíba, e posterior prosseguimento da presente ação penal perante o juízo competente.

(AgRg na APn 866/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/06/2018, DJe 03/08/2018)

O STF também já se pronunciou sobre o tema:

III. Conclusão 6. Resolução da questão de ordem com a fixação das seguintes teses: “(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo". 7. Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e demais juízos com base na jurisprudência anterior. 8. Como resultado, determinação de baixa da ação penal ao Juízo da 256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao cargo de Deputado Federal e tendo em vista que a instrução processual já havia sido finalizada perante a 1ª instância.

AP 937 QO / RJ, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Revisor(a): MIN. EDSON FACHIN, Julgamento: 03/05/2018, Publicação: 11/12/2018, Órgão julgador: Tribunal Pleno

Portanto, sem qualquer vínculo com a função do deputado estadual, a competência será da Justiça Estadual de primeiro grau.




Gabarito do professor: alternativa B.


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Comentários

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Prevaleceu a tese elaborada pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, na questão de ordem na :

 

1) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

 

2) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar as ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

 

  • Observa-se que no caso apresentado pela banca, o deputado fictício, em que pese chefiar o grupamento criminoso, não se utilizava de seu mandato para exercer a atividade ilícita, de sorte que o simples fato de ter sido denunciado não atrai o foro por prerrogativa de função.

Mas o crime foi cometido em detrimento de bens da administração pública, certo? Não seria justiça federal?

• A imunidade formal dos deputados estaduais é concedida pela CF/88 (art. 27, § 1º), entretanto, entendem os tribunais superiores que o foro por prerrogativa de função só se aplica aos crimes praticados em razão do cargo (no caso concreto o deputado cometeu crime não relacionado a suas funções):

As hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função.

STJ. Corte Especial. AgRg na APn 866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018 (Info 630).

Nesse mesmo sentido o STF:

Se os fatos criminosos que teriam sido supostamente cometidos pelo Deputado Federal não se relacionam ao exercício do mandato, a competência para julgá-los não é do STF, mas sim do juízo de 1ª instância.

Isso porque o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas (STF AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018).

MAS ATENÇÃO! Apesar de não ser o cerne da questão, é importante lembrar que investigação em face de autoridade com foro de prerrogativa de função no TJ deve ser precedido de autorização judicial:

É indispensável a existência de prévia autorização judicial para a instauração de inquérito ou outro procedimento investigatório em face de autoridade com foro por prerrogativa de função em Tribunal de Justiça.

STF. 2ª Turma. HC 201965/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/11/2021 (Info 1040).

Gente, por gentileza, esse crime de evasão de divisas não atrairia a competência da justiça federal?

Sobre a competência ESTADUAL (e não Federal):

1) Compete à justiça estadual processar e julgar os crimes contra a ordem econômica previstos na Lei n. 8.137/1990, salvo se praticados em detrimento do art. 109, IV e VI, da Constituição Federal de 1988.

Julgados: CC 152511/MT, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/06/2017, DJe 26/06/2017; CC 119350/PR, Rel. Ministro NEWTON TRISOTTO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014; DJe 04/12/2014; AgRg no HC 269029/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 04/12/2013; HC 55290/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 15/10/2012; AgRg no HC 166909/ RS, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 08/06/2011; CC 95591/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010, DJe 30/06/2010. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 384) - Jurisprudência em Teses STJ nº 99.

O STJ entende que, como regra, crimes contra a ordem econômica e tributária são de competência da JUSTIÇA ESTAUDUAL, salvo se praticados em detrimento a bens e serviços da União (art. 109, IV e VI, CF):

"(..) 4. A jurisprudência desta Corte Superior possui entendimento no sentido de que os crimes contra a ordem econômica, previstos na Lei n.º 8.137/90, são, em regra, de competência da Justiça Estadual, salvo se comprovada a efetiva lesão a bens, interesses ou serviços da União, a teor do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, não demonstrada na espécie, à luz do que se destacou na denúncia. (...)"

AINDA:

"Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda." CC 170.392-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020 (info 673)

Salvo melhor juízo, entendo que, como a questão não especificou que a União foi diretamente afetada e a denúncia sequer mencionou o delito, a competência, em regra, é da Justiça Estadual.

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