Em – Quando o Brasil foi colonizado, éramos os degredados. –...
Leia o texto para responder às questões de números 01 a 08.
Luto na família Silva
A ambulância foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava deitado na calçada. Uma poça de sangue. A ambulância voltou vazia. O homem estava morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos “Fatos Diversos” do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise.
João da Silva – Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos os joões da silva, os populares joões da silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos, principalmente, na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, éramos os degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos os imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome “de Tal”. A família Silva e a família “de Tal” são a mesma família.
João da Silva – Você não possuía sangue-azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho – vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para as famílias importantes que são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos postos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mato, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telha de barro, laça bois, levanta prédios, conduz os ônibus, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família faz tudo.
Apesar disso, João da Silva, temos de enterrar você na vala comum, da miséria e da glória. Porque nossa família um dia há de subir na política...
(Rubem Braga. Adaptado)
Em – Quando o Brasil foi colonizado, éramos os degredados. – a palavra destacada introduz a ideia de