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No campo minado do humor politicamente
incorreto, escutam-se vozes díspares: as daqueles que, pela transgressão dos limites, tentam conquistar um espaço próprio onde havia um território de exclusão e, também, daqueles que parecem encontrar aí um álibi perfeito para continuar perpetuando as velhas linguagens da ofensa sustentadas pelo poder.
O humor politicamente incorreto é tanto uma patente carta branca questionável para quem sente saudade de uma linguagem sexista, homofóbica, racista e excludente, como uma hábil ferramenta de reciclagem, de alto potencial ativista para quem, tradicionalmente, era o alvo dessas linguagens. Está claro em qual dos dois extremos se situava o humor cru e grotesco de John Callahan, um ex-alcoólatra tetraplégico que encontrou em uma crueldade autodilacerante seu caminho terapêutico para a reconstrução de uma identidade.
Em suas piadas, um grupo de caubóis podia perseguir um fugitivo em uma cadeira de rodas, um mutilado invejava o tapa-olho de outros mutilados e as incapacidades físicas mais variadas eram reformulados como agentes provocadores em uma sociedade construída por e para os que ignoram que o conceito de normalidade corresponde a um critério de autoridade numérica que nem sempre equivale a uma autoridade moral.
Em A Pé Ele Não Vai Longe, Gus Van Sant parte das memórias de Callahan para homenagear um dos heróis da contracultura de sua Portland natal, demonstrando com seu gesto que não está tão distante do cineasta estreante que, com Mala Noche (1986), não só colocou uma das pedras fundamentais do indie americano, como também prestou tributo a outra glória marginal do Oregon, o poeta Walt Curtis.
No entanto, esse desejo de voltar às origens não pode ignorar que o cineasta não é mais exatamente o mesmo que debutou em meados dos anos 80, nem que em sua fértil trajetória se alternam tanto as apostas arriscadas como as tentativas de acomodar sua identidade no seio da indústria cinematográfica. E é na afirmação das duas naturezas, só aparentemente antagônicas, que este filme se define, com seu eixo clássico em seu arco dramático de redenção e apropriação narrativa da terapia em doze passos e sua potência libertadora na vivacidade acronológica da montagem, e em um elenco – Joaquín Phoenix, Jonah Hill, Jack Black – que não interpreta, mas parece estar somatizando seus excessivos, poderosos personagens.
(Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/27/cultura/1545926946_219958.html)
O autor afirma que o diretor “parte das memórias de Callahan para homenagear um dos heróis da contracultura de sua Portland natal. Quem foi o homenageado?
O humor politicamente incorreto é tanto uma patente carta branca questionável para quem sente saudade de uma linguagem sexista, homofóbica, racista e excludente, como uma hábil ferramenta de reciclagem, de alto potencial ativista para quem, tradicionalmente, era o alvo dessas linguagens. Está claro em qual dos dois extremos se situava o humor cru e grotesco de John Callahan, um ex-alcoólatra tetraplégico que encontrou em uma crueldade autodilacerante seu caminho terapêutico para a reconstrução de uma identidade.
Em suas piadas, um grupo de caubóis podia perseguir um fugitivo em uma cadeira de rodas, um mutilado invejava o tapa-olho de outros mutilados e as incapacidades físicas mais variadas eram reformulados como agentes provocadores em uma sociedade construída por e para os que ignoram que o conceito de normalidade corresponde a um critério de autoridade numérica que nem sempre equivale a uma autoridade moral.
Em A Pé Ele Não Vai Longe, Gus Van Sant parte das memórias de Callahan para homenagear um dos heróis da contracultura de sua Portland natal, demonstrando com seu gesto que não está tão distante do cineasta estreante que, com Mala Noche (1986), não só colocou uma das pedras fundamentais do indie americano, como também prestou tributo a outra glória marginal do Oregon, o poeta Walt Curtis.
No entanto, esse desejo de voltar às origens não pode ignorar que o cineasta não é mais exatamente o mesmo que debutou em meados dos anos 80, nem que em sua fértil trajetória se alternam tanto as apostas arriscadas como as tentativas de acomodar sua identidade no seio da indústria cinematográfica. E é na afirmação das duas naturezas, só aparentemente antagônicas, que este filme se define, com seu eixo clássico em seu arco dramático de redenção e apropriação narrativa da terapia em doze passos e sua potência libertadora na vivacidade acronológica da montagem, e em um elenco – Joaquín Phoenix, Jonah Hill, Jack Black – que não interpreta, mas parece estar somatizando seus excessivos, poderosos personagens.
(Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/27/cultura/1545926946_219958.html)
O autor afirma que o diretor “parte das memórias de Callahan para homenagear um dos heróis da contracultura de sua Portland natal. Quem foi o homenageado?