Os parênteses empregados no quarto parágrafo sinalizam obser...
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Ano: 2024
Banca:
VUNESP
Órgão:
Câmara de Campinas - SP
Prova:
VUNESP - 2024 - Câmara de Campinas - SP - Analista Legislativo - Assessoramento Jurídico |
Q2566002
Português
Texto associado
Um filme revolucionário
Para muitos, a época do Natal é o momento da suprema
hipocrisia. Durante 24 horas, ou talvez 48, os sorrisos são
forçados, os sentimentos são de plástico e a gentileza, se
merece o nome, não consegue esconder completamente a
profundidade do ressentimento contra amigos ou familiares.
Mas será que os mortais ainda se lembram do sorriso
franco, dos sentimentos limpos e de uma gentileza genuína?
Será que sentem saudades?
Para esses nostálgicos, aconselho o filme “A Menina
Silenciosa”, de Colm Bairéad, inspirado no livro “Foster”, de
Claire Keegan. É o meu filme do ano, para usar a linguagem
gasta dos balanços jornalísticos.
A história é simples, ou parece simples: Cáit (espantosa
Catherine Clinch) é uma criança de nove anos que sobrevive
(é o termo) numa família que a ignora e despreza. O seu
método de sobrevivência é o silêncio, a quietude e a
observação. Para usar uma palavra clássica, Cáit é uma
“enjeitada”. A mãe é uma figura exausta e ausente. O pai
alcoólatra tem a delicadeza própria das bestas. E as irmãs
mais velhas são espectros sem rosto e sem voz.
Mas então os pais, que esperam uma nova criança e
não têm tempo para Cáit, decidem enviá-la para a casa
de Eibhlín e Seán, familiares distantes, só para passar
o verão, e a garota é assim levada para um ambiente
estranho. Decisão milagrosa, pois eles acolhem-na e, logo
nos primeiros momentos, entendemos que algo mudou.
Uma diferença nos gestos, digamos assim. Gestos de quem
cuida.
Naquele verão, Cáit conhece essa coisa extraordinária:
uma família, partilhando com ela as suas alegrias e tristezas,
as suas rotinas, as suas conversas. Lentamente, a “menina
silenciosa” vai saindo do seu casulo. “A Menina Silenciosa” é
um filme revolucionário por tratar do mais revolucionário dos
temas: a bondade humana.
Não é uma daquelas virtudes mentirosas para ser
exibida nas redes sociais e que apenas serve para alimentar
a vaidade do suposto virtuoso. Também não é uma mera
proclamação ideológica, abstrata, ideal, própria de quem
ama a humanidade, mas despreza o ser humano comum.
Como lembrava Emmanuel Levinas*, a bondade é uma
virtude interpessoal. Ela só acontece face a face. A bondade
nada exige, nada espera, nada impõe. É pura hospitalidade.
É abertura e reconhecimento.
E, como no filme, talvez seja um dia reciprocidade.
(João Pereira Coutinho. ‘A Menina Silenciosa’ é um filme revolucionário
ao tratar da bondade humana. www.folha.uol.com.br/colunas,
22.12.2023. Adaptado)
*Emmanuel Levinas: filósofo francês (1906-1995)
Os parênteses empregados no quarto parágrafo sinalizam observações do autor que são