A respeito de aspectos linguísticos do texto precedente bem ...
Por quase dois séculos, apesar da controvérsia provocada pela Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão encarnou a promessa de direitos humanos universais. Em 1948, quando as Nações Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, seu artigo 1.º dizia: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Em 1789, o artigo 1.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão já havia proclamado: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
As origens dos documentos não nos dizem necessariamente nada de significativo sobre as suas consequências. Importa realmente que o esboço tosco de Jefferson tenha passado por 86 alterações feitas por ele mesmo, pelo Comitê dos Cinco ou pelo Congresso? A Declaração da Independência dos Estados Unidos da América (EUA) não tinha natureza constitucional. Declarava simplesmente intenções, e passaram-se quinze anos antes que os estados finalmente ratificassem uma Bill of Rights, muito diferente, em 1791. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão afirmava salvaguardar as liberdades individuais, mas não impediu o surgimento de um governo francês que reprimiu os direitos, e futuras constituições francesas — houve muitas delas — formularam declarações diferentes ou passaram sem nenhuma declaração.
Ainda mais perturbador é que aqueles que, com tanta confiança, declaravam, no final do século XVIII, que os direitos eram universais vieram a demonstrar que tinham algo muito menos inclusivo em mente. As pessoas não ficaram surpresas por eles considerarem que as crianças, os insanos, os prisioneiros ou os estrangeiros eram incapazes ou indignos de plena participação no processo político, pois pensavam da mesma maneira. Mas eles também excluíam aqueles sem propriedade, os escravos, os negros livres, em alguns casos as minorias religiosas e, sempre e por toda parte, as mulheres. Em anos recentes, essas limitações a “todos os homens” provocaram muitos comentários, e alguns estudiosos até questionaram se as declarações tinham um verdadeiro significado de emancipação.
Os fundadores, os que estruturaram e os que redigiram as declarações, têm sido julgados elitistas, racistas e misóginos por sua incapacidade de considerar todos verdadeiramente iguais em direitos.
Como é que esses homens, vivendo em sociedades
construídas sobre a escravidão, a subordinação e a subserviência
aparentemente natural, chegaram a imaginar homens nada
parecidos com eles, e, em alguns casos, também mulheres, como
iguais? Se pudéssemos compreender como isso veio a acontecer,
compreenderíamos melhor o que os direitos humanos significam
para nós hoje em dia.
Lynn Hunt. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 15-16 (com adaptações).
A respeito de aspectos linguísticos do texto precedente bem como das ideias nele veiculadas, julgue o próximo item.
Dada a polissemia do vocábulo homem, seria possível interpretar que os direitos previstos no artigo 1.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão abrangeriam um grupo restrito de pessoas.
Comentários
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@@ GABARITO: CERTO
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Comentário:
A interpretação do vocábulo "homem" no contexto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, pode, de fato, gerar diferentes compreensões devido à sua polissemia. No uso da época, o termo "homem" era frequentemente empregado de maneira a se referir exclusivamente aos indivíduos do sexo masculino, muitas vezes desconsiderando as mulheres e outros grupos sociais.
No entanto, o termo "homem" também pode ser entendido de forma mais abrangente, englobando todos os seres humanos, independentemente de gênero, etnia, classe social ou outras características. A polissemia do vocábulo permite essa ambiguidade, e, por isso, seria possível interpretar que os direitos previstos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 se aplicariam apenas a um grupo restrito de pessoas, como os homens brancos e proprietários, e não de forma universal.
Portanto, a ideia de que a polissemia do termo "homem" poderia limitar a abrangência dos direitos previstos é correta, uma vez que, historicamente, a declaração não contemplou de maneira plena todos os indivíduos, excluindo mulheres, negros, escravizados, e outros grupos marginalizados.
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