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Q2348950 Direito do Consumidor
Tula, profissional autônoma, atuante na área de publicidade e marketing digital, 30 anos, solteira, após sofrer um acidente e ter a sua perna fraturada, se dirigiu ao Hospital Privado Bem-Estar onde, após os exames rotineiros indicados para a situação, teve sua perna imobilizada por um dos médicos integrantes do corpo clínico do hospital.

Já em casa, dias após o atendimento hospitalar, Tula passou a sentir muitas dores na perna, acima do esperado. Não suportando as dores, Tula se dirigiu novamente ao hospital, para realização de um novo exame, a partir do qual se constatou que, sob o gesso, havia uma ferida infeccionada que não havia sido observada pelo médico quando da imobilização. Em decorrência de tais fatos, Tula ficou afastada de suas atividades por quatro meses, quando deveria ter ficado apenas 15 dias. Além disso, em virtude da gravidade da infecção, Tula foi impedida de realizar uma viagem à Espanha, onde terminaria um curso de especialização de suma importância para sua carreira.

Tula, muito abalada com todo o ocorrido, acabou desenvolvendo um quadro leve de depressão. Diante desses fatos e de todo o sofrimento, Kátia, mãe de Tula, optou por reduzir substancialmente suas próprias atividades laborativas para cuidar de sua filha. Diante dos fatos hipotéticos narrados, analise as assertivas abaixo.

I. O Hospital Bem-Estar e o médico respondem de forma objetiva e solidária pelos danos suportados por Tula, entre os quais os danos emergentes correspondentes aos custos de internação, tratamento médico e demais despesas devidamente comprovadas.
II. O Hospital Bem-Estar responde, independentemente da demonstração de culpa do médico, de forma objetiva pelos danos suportados por Tula, entre os quais, a perda da chance de realização da viagem e os lucros cessantes de Kátia.
III. O Hospital Bem-Estar responde de forma objetiva pelos danos suportados por Tula, dentre os quais, danos emergentes, correspondentes aos custos de internação, tratamento médico e demais despesas devidamente comprovadas, e os custos de cancelamento da viagem à Espanha.

Está correto apenas o que se afirma em  
Alternativas

Gabarito comentado

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Para compreendermos tudo o que a questão aborda, precisamos iniciar enfrentando os seguintes fundamentos:
Art. 14, CDC. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Jurisprudencialmente, temos a posição do STJ: A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética (REsp 819.008/PR).
A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos médicos contratados que neles laboram, é subjetiva, dependendo da demonstração de culpa do profissional, não se podendo, portanto, excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital. Assim, a responsabilidade do hospital somente se configura quando comprovada a culpa do médico integrante de seu corpo plantonista, conforme a teoria de responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais abrigada pelo CDC. Comprovada a culpa do médico, restará caracterizada a responsabilidade objetiva do hospital. STJ. 3ª Turma. REsp 1579954/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/05/2018.
Portanto, para médico integrante do corpo clínico do hospital a responsabilidade do estabelecimento é objetiva. Acaso seja externo, apenas se utilizam das instalações hospitalares, haverá responsabilidade subjetiva do estabelecimento
Para identificarmos a resposta correta precisamos entender que existe a responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva com culpa presumida.
- Responsabilidade objetiva: não se discute culpa, pois o agente responderá independente dela;
- Responsabilidade subjetiva com culpa presumida: é presumida em razão do fato lesivo praticado pelo agente ser considerado, por si só, culposo. Diferentemente da responsabilidade objetiva, não há que se falar de eliminação da culpa, mas da inversão do ônus de sua prova. Ou seja, compete ao médico demonstrar que não concorreu para o fato a fim de afastar a presunção de culpa que lhe seja atribuída.
A respeito da teoria da perda de uma chance, enunciada no item II, vale saber que corresponde à responsabilidade civil que reconhece o direito à indenização quando a conduta de alguém, que no caso seria o médico, priva outra pessoa, Tula, de uma oportunidade real e concreta de obter um benefício ou evitar um prejuízo. Essa teoria é aplicada quando não é possível afirmar com certeza que o resultado favorável teria ocorrido, mas é possível identificar que havia uma chance significativa de que esse resultado pudesse ser alcançado. Ressalto, porém, que a chance perdida seja concreta e séria, não meramente hipotética ou especulativa. A indenização, nesse caso, corresponderá ao valor da própria chance perdida.
Portanto, temos que:
I- Incorreta, pois o hospital responde objetivamente e o médico responde subjetivamente. Cabe ao ao médico comprovar que não agiu com culpa;
II- Incorreta. É necessário saber que existe a perda de uma chance, mas existe também os danos materiais. A perda de uma seria indenizar, conforme visto acima, a própria oportunidade perdida de se obter eventual vantagem. O que temos na questão é um cancelamento de viagem, isso é quantificável, e para isso cabe indenização por danos emergentes.
III- Correta, e resume tudo o que falamos acima.
Apenas por excesso, a fim de responder a eventuais dúvidas, até porque a questão não trouxe isso, mas vale refletir: será que a Kátia pode receber lucros cessantes? Parece-se que não é o caso, pois lucros cessantes referem-se a ganhos que a pessoa deixou de obter em razão de um dano sofrido. No caso de Kátia, ela reduziu suas atividades laborativas para cuidar de sua filha Tula, o que gerou um prejuízo financeiro pessoal, mas perceba que essa redução de suas atividades não está diretamente ligada a uma relação de consumo com o Hospital Bem-Estar.  O hospital pode ser responsabilizado de forma objetiva pelos danos causados à paciente Tula porque houve uma falha na prestação do serviço médico. No entanto, os lucros cessantes só podem ser pleiteados pela própria vítima direta do dano (no caso, Tula), e não por terceiros, como Kátia, que mesmo tendo sofrido prejuízos, não são consumidores na relação com o hospital.  Assim, sua redução de atividade laboral é considerada um dano indireto e não gera, em princípio, o direito a indenização por lucros cessantes.
Gabarito da professora: alternativa C.

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Comentários

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CDC, Art. 14, § 4°: RESP. SUBJETIVA dos PROF LIBERAIS:  A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

  • STJ - A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética (REsp 819.008/PR).

Distinção entre responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva com culpa presumida.

Na responsabilidade objetiva não se discute culpa, sequer para presumi-la, pois o agente responderá independente de culpa.

Já na responsabilidade subjetiva com culpa presumida a culpa do agente é presumida, porque o fato lesivo por este praticado é considerado, por si só, como culposo. Verifica-se que não há eliminação da culpa como ocorre na responsabilidade objetiva, mas apenas a transferência (inversão) do ônus de sua prova, cabendo ao lesante (no caso da presente questão ao médico e não à vítima) demonstrar a sua inocorrência, para afastar a presunção de culpa.

fazer

Não entendi esse gabarito!

"havia uma ferida infeccionada que não havia sido observada pelo médico quando da imobilização"

Médicos

Aplica-se aos médicos o art. 14, § 4º do CDC, que prevê a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais:

Art. 14. (...) § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Vale ressaltar, no entanto, que essa regra do art. 14, § 4º tem aplicabilidade limitada aos médicos, não se estendendo aos estabelecimentos de saúde.

Hospitais, clínicas, casas de saúde etc.

Para os hospitais, clínicas, casas de saúde etc. aplica-se o caput do art. 14 do CDC, de forma que a responsabilidade é, em princípio, objetiva:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Vale ressaltar, contudo, que a responsabilidade objetiva dos hospitais não é absoluta. Como assim?

• o estabelecimento hospitalar responde objetivamente pelos danos causados aos pacientes toda vez que o fato gerador for o defeito do seu serviço. Ex: estadia do paciente (internação e alimentação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc. Se o defeito estiver relacionado com um desses serviços do hospital, a responsabilidade é objetiva.

• por outro lado, se o dano foi causado por uma suposta conduta do médico que trabalha no hospital, a responsabilidade é subjetiva, dependendo da demonstração de culpa do preposto, não se podendo, portanto, excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital. Assim, a responsabilidade do hospital no que tange à atuação técnico-profissional (erro médico) de seu preposto é subjetiva, dependendo, portanto, da aferição de culpa do médico.

O hospital responde, objetivamente, pelos danos decorrentes da prestação defeituosa dos serviços relacionados ao exercício da sua própria atividade.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AgInt no REsp 1.718.427-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 6/3/2023 (Info 768).

DOD

Sobre o item II

Teoria da perda de uma chance: cuida-se da possibilidade de se responsabilizar o autor do dano decorrente da perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo.

 

PERDA DE UMA CHANCE = casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, conseguir um novo emprego, deixar de ganhar uma causa pela falha do advogado etc.

 

OBS: é necessário que se trate de uma chance real e séria, proporcionando ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada.

A questão aborda hipótese de responsabilidade civil objetiva indireta/impura, prevista nos arts. 932/933-CC.

Nesse modelo, a responsabilização exige que haja culpa do agente, no caso, do médico.

Por outro lado, o responsável pela reparação civil, no caso o hospital empregador, responde objetivamente pelo dano causado por seu empregado ou preposto.

Assim, tendo agido com culpa o médico (que negligenciou a ferida infeccionada), responderá, sem culpa, o seu empregador.

Assim, excluem-se as proposições I e II, pois aludem à responsabilidade objetiva do médico (é subjetiva - art. 14,§ 4º, do CDC) e à responsabilidade do hospital ainda que não haja culpa do médico.

Resposta: assertiva "C".

Bons estudos.

Segundo a jurisprudência do STJ, o hospital responde objetivamente pelas falhas nos seus próprios serviços auxiliares, mas não tem responsabilidade por danos decorrentes do trabalho do médico que com ele não tenha nenhum vínculo – hipótese em que a responsabilidade é subjetiva e exclusiva do profissional.

Por outro lado, havendo vínculo de qualquer natureza entre ambos, o hospital responde solidariamente com o médico pelos danos decorrentes do exercício da medicina, desde que fique caracterizada a culpa do profissional, nos termos do .

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