Sobre os discursos punitivos criminológicos elaborados nos ...

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Ano: 2021 Banca: NC-UFPR Órgão: PC-PR Prova: NC-UFPR - 2021 - PC-PR - Delegado de Polícia |
Q1825568 Criminologia
Sobre os discursos punitivos criminológicos elaborados nos últimos anos, assinale a alternativa correta.
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Gabarito A

Política criminal atuarial: estratégia/ponderação matemática de dados para determinar probabilidade de fatos futuros.

a) As doutrinas atuariais referem-se a práticas administrativas de funcionamento do sistema penal e têm como objetivo o gerenciamento de grupos classificados como perigosos. Correta! Criminologia atuarial: apoia-se na lógica econômica para a partir de números e estatísticas - que permitem a avaliação mensurada de objetivos quantitativos e que proporcionam vislumbrar uma decisão totalmente racional - busca por meio da pena atingir objetivos econômicos. GESTÃO E DISTRIBUIÇÃO DE RISCOS.

b) Günther Jakobs, ao tratar do direito penal do inimigo, divide os criminosos em cidadãos e inimigos, propondo a aplicação de penas de prisão aos inimigos e de penas alternativas aos cidadãos. Incorreta! DIREITO PENAL DO INIMIGO: Günter Jakobs, por meio dessa denominação, procura traçar uma distinção entre um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo. O primeiro, em uma visão tradicional, garantista, com observância de todos os princípios fundamentais que lhe são pertinentes; o segundo, intitulado Direito Penal do Inimigo, seria um Direito Penal despreocupado com seus princípios fundamentais, pois que não estaríamos diante de cidadãos, mas sim de inimigos do Estado.

c) A política de tolerância zero decorre da teoria das janelas quebradas, que foi elaborada por Milton Friedman. Incorreta! Milton Friedman é o autor do livro "Free to Choose", não tendo relação coma teoria criminológica citada.

d) Os discursos de tolerância zero influenciaram a adoção de práticas restaurativas como estratégia de combate à criminalidade. Incorreta!

e) O direito penal do inimigo surgiu após os atentados terroristas nos EUA, em 2001, e refere-se à aplicação de um direito penal baseado nos princípios iluministas de limite ao poder punitivo estatal. Incorreta!

Gabarito: a)

A - A lógica atuarial consiste na “adoção sistemática do cálculo atuarial como critério de racionalidade de uma ação, definindo-se como tal a ponderação matemática de dados – normalmente aferidos a partir de amostragens – para determinar a probabilidade de fatos futuros concretos”. Passa-se a gerir a criminalidade segundo o critério de classificação de indivíduos em perfis de risco (risk profiles): reincidentes, traficantes, “predadores sexuais”, etc. O que se pretende, com isso, é gerir um segmento da população por meio da prisão. Não é por acaso que as prisões são classificadas de acordo com o seu nível de segurança.

B - Günther Jakobs, ao tratar do direito penal do inimigo, divide os criminosos em cidadãos e inimigos. Ao criminoso inimigo devem ser flexibilizados ou eliminados direitos e garantias individuais e processuais (direito penal de terceira velocidade). Não é uma teoria sobre tipo de pena aplicada ao criminoso inimigo (PPL) ou cidadão, como diz a questão. Ela recai, especialmente, sobre as garantias individuais, penais e processuais do criminoso, o qual, sendo inimigo, sofrerá com a flexibilização ou eliminação. Predomina o direito penal do autor.

C - A teoria das janelas quebradas foi criada por George Kelling.

D - Os discursos de tolerância zero influenciaram a adoção de práticas retributivas como estratégia de combate à criminalidade. Além de defender a repressão máxima e imediata de todo e qualquer delito (desde os mais simples, até os mais graves e violentos), defende que a pena tem função de retribuição.

E - O Direito Penal do Inimigo é datado do século XX (aproximadamente década de 80) e é uma teoria assentada em três pilares: antecipação da punição; desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais; e criação de leis severas direcionadas a quem se quer atingir (criminoso inimigo)

A) As doutrinas atuariais referem-se a práticas administrativas de funcionamento do sistema penal e têm como objetivo o gerenciamento de grupos classificados como perigosos. CERTO

O SJC atua a partir de uma racionalidade sistêmica, sem a interferência dos limites normativos do Estado ou da coerência científica. A seletividade, que antes era objeto de crítica, foi neutralizada pelo calculo, alimentado pelos fatores de risco retirados do sistema. A reincidência era o principal fator de risco individual.

Criminalização secundária era autorreferente, legitimando a perseguição daqueles que foram selecionados pelo filtro das agências de controle social. A própria seleção era considerada um fato de risco. O crime deixava de ter razões sociais, institucionais ou estruturais, se reduzindo a gestão de grupos de risco para evitar a reincidência. (Ignorando a criminologia crítica) Instalou-se o direito penal do autor, ignorando princípio da culpabilidade, já que devia punir-se pelo perfil de risco, crime é sintoma da personalidade.

B) Günther Jakobs, ao tratar do direito penal do inimigo, divide os criminosos em cidadãos e inimigos, propondo a aplicação de penas de prisão aos inimigos e de penas alternativas aos cidadãos. ERRADO O DP do Inimigo trabalha com PERICULOSIDADE (não culpabilidade) e com MEDIDA DE SEGURANÇA (e não com pena).

O suporte empírico da proposta de dividir a sociedade nas categorias antagônicas de cidadãos e de inimigos, que permitiria fundamentar a pena a) como contradição da lesão da norma para o cidadão e b) como segurança contra fatos futuros para o inimigo, é indicado por alguns comportamentos típicos cuidadosamente selecionados, definidos por JAKOBS como fatos do cidadão e como fatos do inimigo.

O direito penaldo inimigo introduz também um duplo sistema de imputação penal e processual penal, assim concebido por JAKOBS:

O sistema penal seria constituído por um Direito Penal da culpabilidade pelo fato passado de autores definidos como cidadãos, por um lado, e por um Direito Penal preventivo da medida de segurança pelo perigo de fato futuro de autores definidos como inimigos, por outro lado;

O sistema processual penal seria cindido entre a imputação fundada no princípio acusatório para o cidadão, acusado com as garantias constitucionais do processo legal devido (ampla defesa, presunção de inocência etc.), por um lado, e a imputação fundada no princípio inquisitório para o inimigo, punido sem as garantias constitucionais do processo legal devido (defesa restrita, presunção de culpa etc.), com investigações ou inquéritos secretos, vigilâncias sigilosas, interceptação telefônica, escuta ambiental, prisões temporárias, proibição de contato com advogado etc., por outro lado.

O processo contra o inimigo não precisa ter forma de Justiça, porque não é regido pelo processo legal devido, deve ter forma de guerra: é preciso destruir o terrorismo, ou, pelo menos, matar o terrorista, ainda que implique a morte de terceiros inocentes.

Obs: E) O direito penal do inimigo surgiu após os atentados terroristas nos EUA, em 2001, e refere-se à aplicação de um direito penal baseado nos princípios iluministas de limite ao poder punitivo estatal. ERRADO.

Günther Jakobs foi o responsável por disseminar a teoria do Direito Penal do Inimigo, a qual teve sua primeira manifestação em uma palestra realizada pelo alemão em 1985 na Jornada de Professores de Direito Penal, em Frankfurt.

(...)

Neste cenário a Teoria do Direito Penal do Inimigo ganhou ainda mais força, pois Jakobs (2003, p. 47) já defendia que a teoria estava voltada para os terroristas, afirmando que a aplicação teria  “mais a tarefa de garantir segurança do que a de preservar a eficácia jurídica, e isso se revela na finalidade da pena e nos tipos penais correspondentes”

https://jus.com.br/artigos/82270/surgimento-do-direito-penal-do-inimigo-e-sua-aplicacao-na-legislacao-estrangeira-e-brasileira

Ainda, quem isso pareça obscuro, diz JAKOBS, toda dúvida seria dissipada pelos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, representados na memória universal pela cena de destruição das torres gêmeas do World Trade Center mediante impacto de aeronaves comerciais seqüestradas por terroristas do Al Qaeda:

“A quem tudo isto ainda pareça obscuro, a este seria proporcionado um esclarecimento relâmpago através de uma referência aos fatos de 11 de setembro de 2001. O que, no caso do delinqüente cotidiano ainda é natural, tratá-lo não como indivíduo perigoso, mas como pessoa que age de modo errado, já se torna difícil, como mostrado agora mesmo, no caso de autor por tendência, ou no caso de autor integrado em uma organização, (...) e culmina no caso do terrorista, como quem aqui é designado aquele que nega, em princípio, a legitimidade da ordem jurídica, e por isto se propõe a destruir esta ordem jurídica.”

SANTOS, Juarez Cirino dos.  O Direito Penal do Inimigo – ou o discurso do Direito Penal Desigual.

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