“Frases do tipo ‘Leia, será bom para você um dia’ [...] ‘m...
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Ano: 2024
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
Prefeitura de Pouso Alegre - MG
Prova:
Instituto Consulplan - 2024 - Prefeitura de Pouso Alegre - MG - Professor PIII - Português |
Q2611848
Português
Texto associado
Texto para responder à questão.
Filhos podem manipular os afetos
No capítulo “O menino é o pai do homem”, de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, o protagonista credita grande parte
de seu caráter à educação que teve em casa – uma mãe pouco participativa na formação moral do filho e um pai benevolente.
Pais inconsistentes, que geraram uma criança inconsistente. “Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de ‘menino diabo’; e
verdadeiramente não era outra cousa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. (Meu
pai) às vezes me repreendia, à vista de gente, fazia-o por simples formalidade: em particular dava-me beijos. (…) mas entre a
manhã e a noite fazia uma grande maldade, e meu pai, passado o alvoroço, dava-me pancadinhas na cara, e exclamava a rir:
Ah! brejeiro! ah! brejeiro!”
Havia na família de Brás quem reprovasse a educação inadequada e de moral frouxa dada ao menino, no entanto as
recomendações do tio ao pai não tinham efeito. “Meu tio cônego fazia às vezes alguns reparos ao irmão; dizia-lhe que ele me
dava mais liberdade do que ensino e mais afeição do que emenda; mas meu pai respondia que aplicava na minha educação um
sistema inteiramente superior ao sistema usado; e por este modo, sem confundir o irmão, iludia-se a si próprio.”
Machado relativizava com sabedoria a educação cheia de amor, de carinho e de poucas regras. Percebia claramente que
essa formação moral, responsabilidade fundamental da família, destina o filho ao fracasso social e moral, por ser frouxa e
inconsistente e também por tornar o filho imune às frustrações da vida, como se evitar decepções fosse possível e bom.
O Bruxo do Cosme Velho sabia que os jovens são bons observadores e intérpretes dos adultos que os cercam. Percebem
com tranquilidade a incongruência do que está sendo professado com o que se pratica na vida cotidiana. Observava que, muitas
vezes, não havia na educação, dada em casa, aconselhamentos para adoção de comportamento que produzissem algum valor moral razoável. Reforçava-se sempre o mimo. Educava-se um mimado e um príncipe, nunca um jovem responsável e sujeito a
frustrações e responsabilidades.
Evidentemente que educa mal um pai ou mãe que, com o filho dentro do carro, ultrapassa o semáforo vermelho ou fala
ao celular enquanto dirige, ou estaciona em lugar proibido ou para em fila dupla. Se a mãe abraça o filho depois de uma
repreensão paterna ou o pai abraça depois de uma reprimenda materna, eles estão ensinando-o a manipular os afetos.
Os filhos aprendem em casa com os valores que veem e presenciam em sua vida diária. Se percebem frouxidão moral ou
inconsistência de autoridade, herdarão exatamente o que presenciam. Se os filhos observam que pais preferem negociar valores
morais para não deixar de ser amados, rapidamente entenderão a regra do jogo e farão uso dela. Se observam que os pais desejam
ser os seus melhores amigos, percebem que a assimetria dançou e manobrarão os afetos de acordo com a relação posta.
A escola também não passou impune sob a pena do mestre: “Demos um salto por cima da escola, a enfadonha escola,
onde aprendi a ler, escrever, contar, dar cacholetas, apanhá-las, e ir fazer diabruras, ora nos morros, ora nas praias, onde quer
que fosse propício a ociosos”. Ou como aponta em O Conto de escola: “Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro
conhecimento, um da corrupção, outro da delação”.
Uma escola que ensina fórmulas, a memorizar nomes de países, dados da natureza, regras gramaticais, fatos históricos
não contribui para a formação de um jovem. Uma escola que não problematiza questões do mundo e da vida reforçará a tal da
moral frouxa. Não é incomum um aluno obter nota excelente em uma redação sobre valores éticos, mas ser preconceituoso
com tranquilidade, furar filas e defender na vida prática o contrário do que entrega no texto escolar.
Se os pais, associados à escola, impõem como castigo a uma criança o estudo, a leitura de um livro ou algo com valor
cultural e pedagógico, não haverá dúvida de que ela entenderá que aprender ou apropriar-se de um bem cultural é uma chatice,
um incômodo ou uma punição. Frases do tipo “Leia, será bom para você um dia” vêm carregadas do subtexto “agora é ruim,
eu também concordo, mas não tem jeito, somos obrigados a fazer isso”.
No consórcio família e escola, Machado via, muitas vezes, o fracasso da formação de uma criança e de uma juventude
transformadora, porque via nos dois processos formações repletas de vicissitudes e de formação de verniz oco, sem nenhum
valor moral ou transformador razoável. Colocava em xeque o papel da escola e da família na manutenção e nos
questionamentos dos valores morais e sociais: “Minha mãe doutrinava-me a seu modo, fazia-me decorar alguns preceitos e
orações; mas eu sentia que, mais do que as orações, me governavam os nervos e o sangue, e a boa regra perdia o espírito, que
a faz viver, para se tomar uma vã fórmula”. “Não digo que a universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe
só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma
dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi
de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação…” E, com isso, via o fracasso monumental da educação nas duas
principais instâncias de formação de um indivíduo: em casa e na escola. Uma lustrando o verniz da ornamentação da outra.
(Disponível em: https://revistaeducacao.com.br. Acesso em: 12/02/2024.)
“Frases do tipo ‘Leia, será bom para você um dia’ [...] ‘mas não tem jeito, somos obrigados a fazer isso’.” (9º§) Sem que haja
prejuízo no sentido original dos trechos anteriores, as vírgulas podem ser substituídas, respectivamente, por