A crônica evidencia recordações que trazem o problema que os...
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Ano: 2024
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
Câmara de Belo Horizonte - MG
Prova:
Instituto Consulplan - 2024 - Câmara de Belo Horizonte - MG - Redator |
Q2472499
Português
Texto associado
A vingança de uma Teixeira
A troca da bola de meia para a bola de borracha foi uma importante evolução técnica do association em nossa rua. Nossa
primeira bola de borracha era branca e pequena; um dia, entretanto, apareceu um menino com uma bola maior, de várias cores,
belíssima, uma grande bola que seus pais haviam trazido do Rio de Janeiro. Um deslumbramento; dava até pena de chutar.
Admiramo-la em silêncio; ela passou de mão em mão; jamais nenhum de nós tinha visto coisa tão linda.
Era natural que as Teixeiras não gostassem quando essa bola partiu uma vidraça. Nós todos sentimos que acontecera algo de
terrível. Alguns meninos correram; outros ficaram a certa distância da janela, olhando, trêmulos, mas apesar de tudo dispostos a enfrentar a catástrofe. Apareceu logo uma das Teixeiras, e gritou várias descomposturas. Ficamos todos imóveis, calados, ouvindo, sucumbidos. Ela apanhou a bola e sumiu para dentro de casa. Voltou logo depois e, em nossa frente, executou o castigo terrível: com um grande
canivete preto furou a bola, depois cortou-a em duas metades e jogou-a à rua. Nunca nenhum de nós teria podido imaginar um ato de
maldade tão revoltante. Choramos de raiva; apareceram mais duas Teixeiras que davam gritos e ameaçavam descer para nos puxar as
orelhas. Fugimos.
A reunião foi junto do cajueiro do morro. Nossa primeira ideia de vingança foi quebrar outras vidraças a pedradas.
Alguém
teve um plano mais engenhoso: dali mesmo, do alto do morro, podíamos quebrar as vidraças com atiradeiras, e assim ninguém
nos veria. – Mas elas vão logo dizer que fomos nós!
Alguém informou que as Teixeiras iam todas no dia seguinte para uma festa na fazenda, um casamento ou coisa que o
valha. O plano de assalto à casa foi traçado por mim. A casa das Teixeiras dava os fundos para o rio e uma vez, em que passeava de
canoa, pescando aqui e ali, eu entrara em seu quintal para roubar carambolas. Havia um cachorro, mas era nosso conhecido, fácil de
enganar.
Falou-se muito tempo dos ladrões que tinham arrombado a porta da cozinha da casa das Teixeiras. Um cabo de polícia
esteve lá, mas não chegou a nenhuma conclusão. Os ladrões tinham roubado um anel sem muito valor, mas de grande
estimação, com monograma, e tinham feito uma desordem tremenda na casa; havia vestidos espalhados pelo chão, um tinteiro
e uma caixa de pó-de-arroz entornados em um quarto, sobre uma cama. Falou-se que tinha desaparecido dinheiro, mas era
mentira; lembro-me vagamente de uma faca de cozinha, um martelo, uma lata de goiabada; isso foi todo o nosso botim.
O anel foi enterrado em algum lugar no alto do morro; mas alguns dias depois caiu um temporal e houve forte enxurrada;
jamais conseguimos encontrar o nosso tesouro secretíssimo, e rasgamos o mapa que havíamos desenhado.
Durante algum tempo as famílias da rua fecharam com mais cuidado as portas e janelas, alguns pais de família saltaram
assustados da cama a qualquer ruído, com medo dos ladrões; mas eles não apareceram mais.
Nosso terrível segredo nos deu um grande sentimento de importância, mas nunca mais jogamos futebol diante da casa
das Teixeiras. Deixamos de cumprimentar a que abrira a bola com o canivete; mesmo anos depois, já grandes, não lhe dávamos
sequer bom dia. Não sei se foi feliz na existência, e espero que não; se foi, é porque praga de menino não tem força nenhuma.
(BRAGA, Rubem. A traição das elegantes. Editora Moderna. 9ª edição.)
A crônica evidencia recordações que trazem o problema que os meninos da rua tinham com as Teixeiras, com relação ao futebol,
pois a casa da família era rodeada de janelas de vidros. Logo, a bola dos meninos da rua era uma ameaça constante para as vidraças.
Tal fato pode ser claramente comprovado em: