Acerca de licitações, contratos e convênios na administração...
Acerca de licitações, contratos e convênios na administração pública, julgue o item que se segue.
A aquisição de produtos e serviços com recursos transferidos pela União, por meio de convênios com entidades públicas ou privadas
sem fins lucrativos, deve ser precedida de licitação, ressalvados os casos previstos pela legislação própria.
Gabarito comentado
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Eis as razões de tal divergência:
A afirmativa segundo a qual existe obrigação de licitar, contida no enunciado da questão, se dirige, ao mesmo tempo, tanto às entidades públicas, o que é verdade, como às entidades privadas sem fins lucrativos. Afirma-se, em suma, que tanto aquelas quanto estas devem licitar, se quiserem adquirir produtos ou contratar serviços, mediante utilização de recursos transferidos pela União, ressalvados casos previstos em legislação própria.
Esta premissa parece indiscutível.
Pois bem, firmada esta premissa, não vejo como concordar com este suposto "dever" que seria também atribuído às entidades privadas sem fins lucrativos. Afinal, a legislação de regência não exige que tais entidades realizem prévio procedimento licitatório, quando desejem adquirir produtos ou serviços, valendo-se de recursos transferidos pela União.
Trata-se, mais precisamente, do art. 11, caput, Decreto 6.170/2007, de seguinte teor:
" Art. 11. Para efeito do disposto no art. 116 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato."
Ora, ao se afirmar que é necessário, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato, a norma está afirmando, por outras palavras, que não é necessário realizar prévia licitação. Afinal, por óbvio, cotação prévia de preços não se equipara a qualquer das modalidades de licitação previstas na Lei 8.666/93, tampouco ao pregão, disciplinado na Lei 10.520/2002.
Não existe, portanto, este "dever" de licitar, conforme equivocadamente aduzido pela Banca, na questão ora comentada, ao menos no que concerne às entidades privadas sem fins lucrativos.
A doutrina corrobora a posição acima sustentada, como se infere da seguinte passagem da obra de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
"A aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato (art. 11). Como se vê, também não se exige que a entidade privada realize licitação quando for comprar produtos ou contratar serviços utilizando recursos a ela transferidos pela União, por força do convênio. Apenas se exige que a entidade faça essa tal 'cotação prévia de preços no mercado' e que observe os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade." (Direito Administrativo Descomplicado, 20ª edição, 2012, p. 572)
Poder-se-ia, na tentativa de justificar o gabarito, argumentar que a parte final da assertiva ressalvou casos previstos em legislação própria, o que tornaria correta a afirmativa.
Discordo novamente.
Como acima pontuado, a regra é a inexistência do dever de licitar. Não se trata de ressalva, não se trata de casos pontuais, mas sim de regra geral! E não faz o mínimo sentido, renovadas as vênias ao entendimento adotado pela Banca, transformar a regra geral em "ressalva".
Dito de outro modo, para que a assertiva estivesse correta, na opinião deste comentarista, a regra geral, para as entidades privadas sem fins lucrativos, deveria ser a necessidade de prévia licitação, com casos pontuais de desnecessidade previstos em legislação própria. Aí sim. Mas não é isso o que ocorre. A regra é a desnecessidade, de modo que a ressalva da parte final não pode servir para, na prática, desfazer a própria regra, sob pena de a assertiva se tornar indisfarçavelmente contraditória.
Pelas razões acima expostas, considero ERRADA a assertiva, na medida em que o dever de licitar somente se aplica às entidades públicas, mas não às privadas sem fins lucrativos, sendo certo que a assertiva, nos termos em que redigida, abrangeu ambas as espécies de entidade.
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Comentários
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Art. 4º do Decreto 6.170, de 2007
Art. 4o A celebração de convênio ou contrato de repasse com entidades privadas sem fins lucrativos será precedida de chamamento público a ser realizado pelo órgão ou entidade concedente, visando à seleção de projetos ou entidades que tornem mais eficaz o objeto do ajuste. (Redação dada pelo Decreto nº 7.568, de 2011)
§ 2o O Ministro de Estado ou o dirigente máximo da entidade da administração pública federal poderá, mediante decisão fundamentada, excepcionar a exigência prevista no caput nas seguintes situações: (Incluído pelo Decreto nº 7.568, de 2011)
I - nos casos de emergência ou calamidade pública, quando caracterizada situação que demande a realização ou manutenção de convênio ou contrato de repasse pelo prazo máximo de cento e oitenta dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação da vigência do instrumento; (Incluído pelo Decreto nº 7.568, de 2011)
II - para a realização de programas de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer sua segurança; ou (Incluído pelo Decreto nº 7.568, de 2011)
III - nos casos em que o projeto, atividade ou serviço objeto do convênio ou contrato de repasse já seja realizado adequadamente mediante parceria com a mesma entidade há pelo menos cinco anos e cujas respectivas prestações de contas tenham sido devidamente aprovadas. (Incluído pelo Decreto nº 7.568, de 2011)
Deve ser precedida de licitação? Não é isso que diz o Decreto 6.170/07:
Art. 11. Para efeito do disposto no art. 116 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato. (Ou seja, a cotação prévia no mercado já seria suficiente)
--> O Decreto 6.170/2007 permitiu, justamente, a desobrigação do procedimento licitatório por entidades privadas sem fins lucrativos que recebem recursos públicos federais. Como este gabarito ainda é preliminar, é esperado que a banca altere, a não ser que haja algum entendimento jurisprudencial que desconheço.
Algumas questões que contrariam o gabarito:
(EBC/2011/Cespe) A aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos transferidos pela União a entidades privadas sem fins lucrativos devem ser precedidas de licitação, ressalvados os casos previstos pela legislação pertinente. ERRADO
(ANAC/2016/ESAF) A respeito dos convênios, dos contratos de repasse e dos termos de execução descentralizada na administração pública federal, assinale a opção correta.
(...)
e) A aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, da moralidade e da economicidade, não se exigindo, porém, a realização de licitação, que poderá ser substituída por cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato. CERTO
Obs.: A questão fala de aquisição de produtos e serviços por entidades sem fins lucrativos utilizando recursos repassados pela União (o convênio já foi firmado). O art. 4º do Decreto trata da celebração do convênio, ou seja, uma situação anterior à que a questão se refere.
Update em 07/03/2017: O gabarito definitivo saiu hoje e o Cespe o manteve como certo. Vamos, então, adotar esse último posicionamento da banca.
Nossa, Marina, depois de sua explicação fiquei com vergonha de ter acertado esta questão (ou achar que acertei!) Rsrs.
Olá Marina, ótimo comentário na questão, como sempre mandando bem. Peço licença para discordar de sua argumentação, vejamos o que a banca diz:
A aquisição de produtos e serviços com recursos transferidos pela União, por meio de convênios com entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, deve ser precedida de licitação, ressalvados os casos previstos pela legislação própria.
No caso de entidades públicas a licitação é obrigatória, conforme lei 8.666/93 e o decreto 6.170/07. Porém, no caso das entidades privadas sem fins lucrativos, deve haver chamamento público, conforme citado por você. Em outras palavras, a aquisição de produtos e serviços com recursos da união mediante convênio deve ser precedida licitação, salvo legislação em contrário. No caso dec. 6170/07.
Oi, Gutemberg! Obrigada pelo retorno!
Isso mesmo, entendo que no caso de entidades públicas a licitação é obrigatória. Mas, para entidades privadas, o Decreto, em nenhum momento, afirma que é necessária prévia licitação. Não sei se ficou claro no meu primeiro comentário, mas perceba, há duas situações aqui:
1) Celebração de convênio ou contrato de repasse com entidades privadas sem fins lucrativos (que deverá ser precedida de chamamento público, que entendo ser um procedimento diferente e que não substitui a licitação). Esta previsão existe no Decreto 6.170/07, no art. 4º.
2) Uma vez que o convênio já está celebrado e a entidade privada sem fim lucrativo já está recebendo verba federal (situação da questão), a aquisição de produtos e serviços por ela, utilizando tal verba, deve ser precedida, no mínimo, de cotação prévia de preços no mercado (que também entendo ser outro procedimento, diferente de licitação). Essa cotação prévia de preços prevista no Decreto foi regulamentada pela Portaria Interministerial 507/11 (disponível em: http://portal.convenios.gov.br/legislacao/portarias/portaria-interministerial-n-507-de-24-de-novembro-de-2011). É lá que esse procedimento é todo descrito (sugiro que leia os artigos 57 a 61).
Na minha cabeça, temos que considerar licitação apenas as modalidades previstas e descritas na Lei 8.666/93 e na Lei 10.520/02 (pregão), assim como foi cobrado nas questões de concursos anteriores que citei. Mas o tema é confuso no ordenamento. Nas minhas pesquisas, encontrei decisões antigas do TCU resolvendo pela obrigação de licitação, independente da cotação prévia, mas confesso que não tenho certeza do entendimento atual. O que o Cespe de fato considera só vamos saber quando o gabarito definitivo sair. Abraços!
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