Entre 2010 e 2020, Gilberto ocupou diversos cargos políticos...

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Q2346679 Direito Administrativo

Entre 2010 e 2020, Gilberto ocupou diversos cargos políticos em Municípios distintos, mas praticou condutas caracterizadas como atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário, algumas delas de forma culposa e outras de forma dolosa, sendo certo que em um caso específico houve o ajuizamento da respectiva demanda, cuja decisão condenatória transitou em julgado em 2019. 



Diante dessa situação hipotética, tendo em conta o disposto na Lei nº 8.429/92, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, e a orientação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, assinale a afirmativa correta. 

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A REVOGAÇÃO DA MODALIDADE CULPOSA DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA É IRRETROATIVA

Vimos acima que, a partir a Lei nº 14.230/2021 (26/10/2021), deixou de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa. Essa mudança foi constitucional (válida)? O legislador poderia ter feito isso?

SIM. A alteração promovida pelo legislador no texto original da Lei nº 8.429/92, no sentido de suprimir a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é clara e plenamente válida, pois a própria Constituição Federal delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos ímprobos, assim como a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF/88, art. 37, § 4º):

Art. 37 (...)

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Vale ressaltar, contudo, conforme já explicado acima, que, o agente público que culposamente causar dano ao erário, embora não mais responda por ato de improbidade administrativa, poderá responder civil e administrativamente pelo ato ilícito. Logo, essa conduta culposa deixou de ser ato de improbidade, mas ainda pode ser punida.

Essa alteração retroage para absolver pessoas que já tenham sido condenadas com trânsito em julgado. Imagine que um indivíduo, antes da Lei nº 14.230/2021, tenha sido condenado definitivamente pela prática de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa. Essa alteração retroage e ele agora será considerado absolvido? Há uma espécie de abolitio?

NÃO.

O art. 5º, XXXVI, da CF/88 afirma que a lei não pode prejudicar (ofender) a coisa julgada.

Logo, o STF decidiu que:

Por força do art. 5º, XXXVI, da CF/88, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, promovida pela Lei nº 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes.

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).

Mas não seria possível aplicar, no caso, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, da CF/88)?

NÃO.

O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica encontra-se previsto no art. 5º, XL, da CF/88:

Art. 5º (...)

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Esse princípio não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal

GABARITO D

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

A Os Municípios eventualmente lesados pelas condutas de Gilberto não têm mais legitimidade para o ajuizamento da respectiva ação de improbidade, mesmo que não tenha se operado a prescrição

Se se não operou a prescrição ainda podem os Municípios ajuizar.

B Se a ação de improbidade tiver sido ajuizada antes da alteração legislativa, mas ainda estiver pendente de sentença, é possível a condenação de Gilberto pelos referidos atos de improbidade na modalidade culposa

Se não transitou em julgado a lei 14230 retroage para que o juiz examine possível dolo (não mais a culpa).

C A norma mais benéfica para o agente, que não mais admite a modalidade culposa de improbidade, deve retroagir para beneficiar Gilberto, inclusive na aludida hipótese em que houve o trânsito em julgado da sentença condenatória. 

Não retroage para abarcar a coisa julgada (nem execução da pena).

D O novo regime prescricional estabelecido pela alteração legislativa é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da respectiva norma. 

Calha observar que a prescrição sob a nova lei é mais severa, já que aumentou de 5 para 8 anos, motivo pelo qual não retroage.

E Os Municípios lesados pela conduta de Gilberto podem ajuizar a respectiva ação de improbidade por atos culposos, mesmo após o advento da alteração normativa, observando-se os prazos prescricionais previstos na nova lei. 

Como a nova lei revogou a tipificação culposa, os Municípios não podem mais propor ações por improbidade em face de Gilberto senão por atos dolosos.

Alternativas

A - Errado, as pessoas jurídicas de direito público lesadas têm legitimidade ativa concorrente com o MP, que sempre estará presente, seja como Autor ou como custos legis.

B - Errado. Assim como no Direito Penal, o Direito Administrativo sancionador também deverá aplicar a lei mais benéfica ao agente, conforme art. 1, parágrafo 4º:

  • Art. 1º: § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. 
  • Deverá ser aplicado o texto vigente, conforme Tema 1999 do STF: A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

C - Errado. A norma mais benéfica para o agente, que não mais admite a modalidade culposa de improbidade, deve retroagir para beneficiar Gilberto, inclusive na aludida hipótese em que houve o trânsito em julgado da sentença condenatória.

  • Tema 1199, STF: A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

D - CORRETO. O novo regime prescricional estabelecido pela alteração legislativa é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da respectiva norma.

  • ARE 843.989: 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

E - Errado: Após a nova lei, somente condutas DOLOSAS serão punidas.

FONTE: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4652910&numeroProcesso=843989&classeProcesso=ARE&numeroTema=1199

  • Obs,: O tema 1999 do STF resume os pontos confusos da nova lei.

Por força do art. 5º, XXXVI, da CF/88, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, promovida pela Lei nº 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes.

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).

  • ARE 843.989: 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

Repercussão Geral – Tema 1.199, INFO 1065 - STF: As teses de repercussão geral fixadas foram as seguintes

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

O voto do relator Min. Alexandre de Moraes foi acompanhado por maioria. Segundo o Ministro: "[...] tendo sido revogado o ato de improbidade administrativa culposo antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, não é possível a continuidade de uma investigação, de uma ação de improbidade ou mesmo de uma sentença condenatória com base em uma conduta não mais tipificada legalmente, por ter sido revogada."

O que a tese "3" pretende dizer é que a incidência dos efeitos da nova lei aos fatos pretéritos não gerará a extinção automática das demandas culposas, pois deve ser precedida da verificação, pelo juízo competente, do elemento subjetivo, vale dizer: se houver culpa, o feito não prossegue; se houver dolo, prosseguir-se-á.

Portanto, mais uma vez, deve o juiz reanalisar todo o processo para averiguar se há culpa ou dolo. Isso é necessário porque, na lei anterior, como não se exigia a definição de culpa ou dolo, a imputação costumava ser feita de modo genérico, sem especificar o elemento subjetivo do tipo, o que não é mais aceito pela novel legislação.

Logo, no caso concreto da questão, deve o agente ser absolvido no processo de apuração da conduta, pois a conduta descrita, embora tenha causado prejuízo ao erário, deixou de ser punível na modalidade culposa após as alterações da LIA.

A conclusão pode ser extraída da tese "1" somada à parte final da tese "3", em harmonia ao destacado pelo relator em seu voto.

DICA SOBRE REVOGAÇÃO DA MODALIDADE CULPOSA:

TRANSITOU EM JULGADO: não se aplica (irretroativa);

NÃO TRANSITOU: aplica (absolve; porém o juiz deve verificar eventual dolo).

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