O texto apenas lido critica o emprego não normativo da líng...
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Com base no mesmo assunto
Ano: 2018
Banca:
CONSULPAM
Órgão:
Câmara de Juiz de Fora - MG
Prova:
CONSULPAM - 2018 - Câmara de Juiz de Fora - MG - Assistente Técnico Legislativo – Analista na Área de Política Urbana |
Q2006756
Português
Texto associado
Leia o texto e responda às questões de 11 a 20.
Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática. Durante sessenta anos de vida terrena pererecou como um peru em cima da gramática. E morreu, afinal, vítima dum novo erro de gramática. Mártir da gramática, fique este documento da sua vida como pedra angular para uma futura e bem merecida canonização.
Havia em Itaoca um pobre moço que definhava de tédio no fundo de um cartório. Escrevente. Vinte e três anos. Magro. Ar um tanto palerma. Ledor de versos lacrimogêneos e pai duns acrósticos dados à luz no “Itaoquense”, com bastante sucesso. Vivia em paz com as suas certidões quando o frechou venenosa seta de Cupido. Objeto amado: a filha mais moça do coronel Triburtino, o qual tinha duas, essa Laurinha, do escrevente, então nos dezessete, e a do Carmo, encalhe da família, vesga, madurota, histérica, manca da perna esquerda e um tanto aluada.
Triburtino não era homem de brincadeira. Esguelara um vereador oposicionista em plena sessão da câmara e desd’aí se transformou no tutu da terra. Toda gente lhe tinha um vago medo; mas o amor, que é mais forte que a morte, não receia sobrecenhos enfarruscados nem tufos de cabelos no nariz. Ousou o escrevente namorar-lhe a filha, apesar da distância hierárquica que os separava. Namoro à moda velha, já se vê, pois que nesse tempo não existia a gostosura dos cinemas. Encontros na igreja, à missa, troca de olhares, diálogos de flores – o que havia de inocente e puro. Depois, roupa nova, ponta de lenço de seda a entremostrar-se no bolsinho de cima e medição de passos na rua d’Ela, nos dias de folga. Depois, a serenata fatal à esquina, com o
Acorda, donzela...
Sapecado a medo num velho pinho de
empréstimo. Depois, bilhetinho perfumado.
Aqui se estrepou...
Escrevera nesse bilhetinho, entretanto, apenas
quatro palavras, afora pontos exclamativos e
reticências:
Anjo adorado!
Amo-lhe!
Para abrir o jogo bastava esse movimento de
peão. Ora, aconteceu que o pai do anjo apanhou o
bilhetinho celestial e, depois de três dias de
sobrecenho carregado, mandou chamá-lo à sua
presença, com disfarce de pretexto – para umas
certidõesinhas, explicou. Apesar disso, o moço veio um tanto
ressabiado, com a pulga atrás da orelha. Não lhe
erravam os pressentimentos. Mas o pilhou portas
aquém, o coronel trancou o escritório, fechou a
carranca e disse:
- A família Triburtino de Mendonça é a mais
honrada desta terra, e eu, seu chefe natural, não
permitirei nunca – nunca, ouviu? – que contra ela se
cometa o menor deslize.
Parou. Abriu uma gaveta. Tirou de dentro o
bilhetinho cor-de-rosa, desdobrou-o.
- É sua esta peça de flagrante delito?
O escrevente, a tremer, balbuciou medrosa
confirmação.
- Muito bem! Continuou o coronel em tom
mais sereno. Ama, então, minha filha e tem a audácia
de o declarar... Pois agora…
O escrevente, por instinto, ergueu o braço para defender a cabeça e relanceou os olhos para a rua, sondando uma retirada estratégica.
- ... é casar! Concluiu de improviso o vingativo pai.
O escrevente ressuscitou. Abriu os olhos e a boca, num pasmo. Depois, tornando a si, comoveu-se e, com lágrimas nos olhos disse, gaguejante:
- Beijo-lhe as mãos, coronel! Nunca imaginei tanta generosidade em peito humano! Agora vejo com que injustiça o julgam aí fora!…
O escrevente, por instinto, ergueu o braço para defender a cabeça e relanceou os olhos para a rua, sondando uma retirada estratégica.
- ... é casar! Concluiu de improviso o vingativo pai.
O escrevente ressuscitou. Abriu os olhos e a boca, num pasmo. Depois, tornando a si, comoveu-se e, com lágrimas nos olhos disse, gaguejante:
- Beijo-lhe as mãos, coronel! Nunca imaginei tanta generosidade em peito humano! Agora vejo com que injustiça o julgam aí fora!…
Velhacamente o velho cortou-lhe o fio das
expansões.
- Nada de frases, moço, vamos ao que serve:
declaro-o solenemente noivo de minha filha!
E voltando-se para dentro, gritou:
- Do Carmo! Venha abraçar o teu noivo!
O escrevente piscou seis vezes e, enchendo-se
de coragem, corrigiu o erro.
- Laurinha, quer o coronel dizer…
O velho fechou de novo a carranca.
- Sei onde trago o nariz, moço. Vassuncê
mandou este bilhete à Laurinha dizendo que ama-
“lhe”. Se amasse a ela deveria dizer amo-“te”.
Dizendo “amo-lhe” declara que ama a uma terceira
pessoa, a qual não pode ser senão a Maria do Carmo.
Salvo se declara amor à minha mulher (…).
(LOBATO, Monteiro. O Colocador de
Pronomes. In: PINTO, Edith Pimentel (org.). O Português
do Brasil: textos críticos e teóricos II - 1920-1945 – Fontes
para a teoria e a história. São Paulo: Edusp, [1924] 1981,
p. 51-79.)
O texto apenas lido critica o emprego não normativo
da língua portuguesa, no entanto, é flagrante o
enunciado “Venha abraçar o teu noivo!”, cuja
concordância: