Era uma esplêndida residência, na Lagoa Rodrigo de Freitas,...

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Q1314253 Português
Era uma esplêndida residência, na Lagoa Rodrigo de Freitas, cercada de jardins e, tendo ao lado, uma bela piscina. Pena que a favela, com seus barracos grotescos se alastrando pela encosta do morro, comprometesse tanto a paisagem. Diariamente desfilavam diante do portão aquelas mulheres silenciosas e magras, lata d’ água na cabeça. De vez em quando surgia sobre a grade a carinha de uma criança, olhos grandes e atentos, espiando o jardim. Outras vezes eram as próprias mulheres que se detinham e ficavam olhando. Naquela manhã de sábado ele tomava se gim-tônico no terraço, e a mulher um banho de sol, estirada de maiô à beira da piscina, quando perceberam que alguém os observava pelo portão entreaberto. Era um ser encardido, cujos trapos em forma de saia não bastavam para defini-la como mulher. Segurava uma lata na mão, e estava parada, à espreita, silenciosa como um bicho. Por um instante as duas mulheres se olharam, separadas pela piscina. De súbito pareceu à dona de casa que a estranha criatura se esgueirava, portão adentro, sem tirar dela os olhos. Ergue-se um pouco, apoiando-se no cotovelo, e viu com terror que ela se aproximava lentamente: já atingia a piscina, agachava-se junto à borda de azulejos, sempre a olhá-la, em desafio, e agora colhia água com a lata. Depois, sem uma palavra, iniciou uma cautelosa retirada, meio de lado, equilibrando a lata na cabeça – e em pouco sumia-se pelo portão. Lá no terraço o marido, fascinado, assistiu a toda acena. Não durou mais de um ou dois minutos, mas lhe pareceu sinistra como os instantes tensos de silêncio e de paz que antecedem um combate. Não teve dúvida: na semana seguinte vendeu a casa.
Fernando Sabino. A Mulher do vizinho. 17 ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.

O texto do autor Fernando Sabino escrito em 1977, pode ser classificado um texto do gênero:
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