No contexto do poema, as águas escassas simbolizam
Mesopotâmia*
Perto de minha casa um rio
seguia rumoroso e pobre,
mas sempre havia quem buscasse
um seixo, um peixe, uma lembrança.
Eram meninos e eram homens
muito mais pobres do que ele,
curvados sobre a água escura
mesmo sob o sol de dezembro.
Pequenos caracóis, viscosos
abrigos de um destino só
na infância, a percorrer as léguas
de schistosoma e solidão.
À noite, eu pensava que o mundo
era composto só de rios
e de crianças que tentavam
a todo custo atravessá-los.
E ninguém me explicava nunca
que na verdade, em minha vida,
apenas um riozinho de águas,
sempre escassas, corria perto.
*Mesopotâmia: região entre os rios Tigre e Eufrates, considerada o berço da civilização.
(MELO, Alberto da Cunha. Poesia completa. Rio de Janeiro, Record, 2017)