Sabendo que a doutrina da desconsideração da personalidade ...

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Ano: 2017 Banca: UERR Órgão: CODESAIMA Prova: UERR - 2017 - CODESAIMA - Advogado |
Q1394478 Direito Civil
Sabendo que a doutrina da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, disregard of legal entity, que teve como um dos precursores o caso Salomon vs Salomon & Co Ltd, na Inglaterra, em 1897, fortalecendo-se a partir de 1952, com a tese de doutorado de Rolf Serick, admite a superação da personalidade jurídica da sociedade a fim de se responsabilizar os sócios, assinale a alternativa incorreta.
Alternativas

Gabarito comentado

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Para responder à questão, é preciso conhecer a disciplina da desconsideração da personalidade jurídica.



Tal instituto implica numa relativização do princípio da autonomia patrimonial do Direito Societário.


De acordo com referido princípio, os patrimônios da sociedade e dos sócios e administradores que dela fazem parte são independentes.



No entanto, o Direito brasileiro admite que, em determinadas situações, essa dissociação patrimonial seja desconsiderada, fazendo com que o patrimônio de um seja afetado pelas dívidas de outro.



Sobre o assunto, o art. 50 do Código Civil dispõe que:



"Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º  Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica".


A teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para afetar o patrimônio dos sócios e administradores nas situações citadas acima já existia no Direito brasileiro antes mesmo do Código Civil de 2002, tendo sido trazida ainda na década de 60 pelo jurista Rubens Requião.


Posteriormente, a doutrina e a jurisprudência começaram a admitir a sua aplicação de modo inverso, ou seja, condenando as sociedades pelas dívidas dos sócios e administradores.


Até que, com o advento do CPC/2015, a desconsideração INVERSA da personalidade jurídica foi positivada:



"Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica".



Pois bem, sobre o tema, deve-se analisar as alternativas e assinalar a que está incorreta:



A) Como visto acima, a redação do art. 50 não trata especificamente sobre o entendimento relacionado ao tema da assertiva, deixando, então, à cargo da jurisprudência. 



Nesse sentido, verifica-se que o entendimento do STJ ainda não está sedimentado sobre o assunto.



Em momentos anteriores o STJ entendeu que "para os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, não há fazer distinção entre os sócios da sociedade limitada. Sejam eles gerentes, administradores ou quotistas minoritários, todos serão alcançados pela referida desconsideração" (STJ, REsp:1.250.582/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 12/4/2016).



No entanto, considerando o entendimento mais recente (contemporâneo à aplicação da prova - 2017), o STJ assim manifestou:



“(...)Sem ser preponderante, a jurisprudência mais recente do E.STJ vem entendendo que o sócio minoritário, que não tem poderes de gestão, nem pratica ou participa da prática de qualquer dos atos previstos no artigo 50, do Código Civil, não pode ser responsabilizado ilimitada e/ou solidariamente por dívidas da sociedade, em razão da desconsideração da sua personalidade jurídica. (...)." (STJ, REsp: 1600567/DF. Relator Ministro Moura Ribeiro, Data de Publicação: 22/11/2017)



Assim, considerando o entendimento acima, a alternativa foi considerada correta.



B) Como visto na explicação acima, de fato, a desconsideração da personalidade jurídica tem o objetivo de desconsiderar "momentaneamente" a autonomia patrimonial entre os patrimônios da sociedade e de seus sócios e administradores, com o fim de corrigir eventuais abusos de personalidade jurídica perpetrados. 



Nesse sentido:



"A desconsideração da pessoa jurídica não atinge a validade do ato constitutivo, mas importa em sua ineficácia episódica". (Fábio Ulhoa Coelho, Manual de Direito Comercial. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2016).



Assim, não se fala em dissolução da personalidade jurídica, logo, a afirmativa está correta.



C) A assertiva está correta, em consonância com o Enunciado nº 229 do CJF (III Jornada de Direito Civil): 




"A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta".




D) De fato, tal como se vê na redação do art. 50, a desconsideração da personalidade jurídica tem lugar quando se verifica o abuso da personalidade jurídica, o qual pode se dar de duas formas: (i) desvio de personalidade, ou (ii) confusão patrimonial.  Assim sendo, a assertiva foi considerada correta.




No entanto, não se pode deixar de notar o equívoco da banca ao considerar que o Código Civil adota a concepção objetivista da desconsideração da personalidade jurídica (o que será explicado abaixo). Dessa forma, a utilização deste termo torna a assertiva incorreta.



E) A desconsideração da personalidade jurídica é vista sob dois vieses:



--> Objetivo: a desconsideração da personalidade jurídica independe da demonstração de fraude, de abuso da personalidade jurídica; basta que se verifique a ocorrência do resultado. De acordo com a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, os sócios e administradores podem ser pessoalmente responsabilizados por todo e qualquer ato desde que na prática se verifique prejuízo ao credor. É o caso do art. 28 do CDC:



"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".



--> Subjetivo: a desconsideração da personalidade jurídica é centrada no ato praticado pelos sócios e administradores, isto é, ele somente ensejará a desconsideração de for um ato fraudulento, um ato que se constitua em verdadeiro abuso do direito. Trata-se da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que foi adotado pelo Código Civil no art. 50. Aqui, não se foca nos terceiros prejudicados, mas no ato em si.


Em outras palavras:



"Observa-se que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sede de relações consumeristas é mais abrangente e menos rigorosa, como resultado do próprio cunho protetivo daquela codificação, o que torna imperioso fazer uma diferenciação entre ambas as espécies do instituto em comento. Nesse sentido, convém destacar que para a Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica, aquela abraçada pelo Código Civil e defendida por Rubens Requião, para se ignorar a autonomia patrimonial das sociedades empresárias é necessário que se demonstre a fraude ou abuso do direito:

É de nítida concepção subjetivista a teoria esposada por Rubens Requião quando se trata da verificação da fraude, que deve ser vista pelo seu aspecto anímico, abrindo exceção apenas às hipóteses de abuso do direito, que se configuraria independentemente do propósito de prejudicar outrem. Toma o doutrinador como ponto de partida a ideia de que a pessoa jurídica é uma realidade que se passa no mundo jurídico, e não na “vida sensível", que tem na sua concessão, como uma das principais consequências, a autonomia patrimonial. Nesse contexto, a desconsideração nega o absolutismo do direito de personalidade jurídica, posto que a teoria é vista como declaração de sua ineficácia para certos efeitos, permanecendo, contudo, “incólume para outros fins legítimos". (RODRIGUES FILHO, 2016. p. 63).

Noutro passo, para Teoria Menor (Código de Defesa do Consumidor) basta a demonstração de insuficiência patrimonial da sociedade, quando, de alguma forma, a personalidade jurídica for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores". (REZENDE, Elcio Nakur; OLIVEIRA, Marcelle Mariá Silva de. A fraude como elemento subjetivo essencial à aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica das “holdings" familiares. Scientia Iuris, Londrina, v. 23, n. 2, p. 110-126, jul. 2019).




Ou seja, o Código Civil adotou a teoria subjetivista ou teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, portanto, a assertiva está incorreta tanto por afirmar que o CC adotou a teoria menor, quanto por afirmar que o CC adotou a teoria objetiva.




Assim, temos duas afirmativas incorretas: "D" e "E".


Gabarito da Banca: Letra E.

Gabarito do professor: duas incorretas, portanto deveria ser Anulada.

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Comentários

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Letra E

CC-Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

-Teoria Maior da Desconsideração: requisita a prática de abuso de direito caracterizado pelo: desvio de finalidade ou da confusão patrimonial. Aqui não se discute a intenção do sujeito, pois, como o próprio nome diz, tal conceito é de formulação puramente objetiva(adotado pelo CC !)

- Teoria Menor da Desconsideração: qualquer obstáculo que a PJ represente para satisfação de dívida ou reparação de danos (mera prova de insolvência) . Independe do preenchimento dos outros requisitos - como abuso ou fraude do direito societário. Subjetiva 

Ex:  ( CDC, art. 28, §5º. O simples prejuízo do credor é motivo suficiente para afastar episodicamente a personalidade jurídica da sociedade / Lei 9.605 Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.)

Gab: E

Teoria Maior: Adotada pelo código civil;

Teoria Menor: Adotada pelo código de defesa do consumidor.

A) Correta

Justificativa: Como previsto no art.50 § 1° do código civil ´´Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. ´´

B) Correta

C) Correta:

Justificativa: É uma empresa que os seus sócios não são responsabilizados pelos seus prejuízos decorrente de atividades com suas participações. Ressaltando de acordo com o art.50 do código civil em caso especiais que tenha abuso da personalidade jurídica. 

D) Correta:

Justificativa: Conforme previsto no art.50 do código civil ´´ Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.´´

E) Errada

Justificativa: A teoria menor é adotada pelo código de defesa do consumidor e a teoria maior pelo código civil.

A teoria maior não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial.

A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica é muito menos elaborada do que a teoria maior, pois a sua aplicação pressupõe o simples inadimplemento para com os credores, sem ao menos analisar os reais motivos que levaram a sociedade a deixar de se obrigar perante terceiros.

O CC adotou a Teoria Maior.

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