“Mas é que tenho um modo simplório de me aproximar do fato ...
Literatura e justiça
Clarice Lispector
Hoje, de repente, como num verdadeiro achado, minha
tolerância para com os outros sobrou um pouco para mim
também (por quanto tempo?). Aproveitei a crista da onda, para
me pôr em dia com o perdão. Por exemplo, minha tolerância em
relação a mim, como pessoa que escreve, é perdoar eu não
saber como me aproximar de um modo “literário” (isto é,
transformado na veemência da arte) da “coisa social”. Desde
que me conheço o fato social teve em mim importância maior
que qualquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira
verdade para mim. Muito antes de sentir “arte”, senti a beleza
profunda da luta. Mas é que tenho um modo simplório de me
aproximar do fato social: eu queria “fazer” alguma coisa, como
se escrever não fosse fazer. O que não consigo é usar escrever
para isso, ainda que a incapacidade me doa e me humilhe. O
problema de justiça é em mim um sentimento tão óbvio e tão
básico que não consigo me surpreender com ele – e, sem me
surpreender, não consigo escrever. E também porque para mim
escrever é procurar. O sentimento de justiça nunca foi procura
em mim, nunca chegou a ser descoberta, e o que me espanta é
que ele não seja igualmente óbvio em todos. Tenho consciência
de estar simplificando primariamente o problema. Mas, por
tolerância hoje para comigo, não estou me envergonhando
totalmente de não contribuir para algo humano e social por
meio do escrever. É que não se trata de querer, é questão de
não poder. Do que me envergonho, sim, é de não “fazer”, de
não contribuir com ações. (Se bem que a luta pela justiça leva à
política, e eu ignorantemente me perderia nos meandros dela.)
Disso me envergonharei sempre. E nem sequer pretendo me
penitenciar. Não quero, por meios indiretos e escusos, conseguir
de mim a minha absolvição. Disso quero continuar
envergonhada. Mas, de escrever o que escrevo, não me
envergonho: sinto que, se eu me envergonhasse, estaria
pecando por orgulho.
Nesse segmento do texto, a expressão sublinhada tem valor expressivo, com função de realce de algum termo ou ideia.
A frase abaixo em que essa expressão tem valor gramatical, fazendo parte da estrutura sintática da frase, é:
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Minha contribuição.
Gab. B
As partículas expletivas, ou de realce, são aquelas que não possuem nenhuma função gramatical no interior das orações. Podem ser retiradas sem que haja prejuízo gramatical. A única que não faz jus ao contexto é o gabarito.
A) Os autores sabem o que escrever em seus livros;
B) A verdade é que os escritores se preocupam com o social;
C) As preocupações sociais valorizam uma obra;
D) Autores como Clarice escrevem bem;
E) Um texto escrito pode envergonhar seu autor.
Qualquer erro, avisem!
"A verdade é que os escritores se preocupam com o social"
A verdade é que os escritores se preocupam com o social
A verdade é isto: os escritores...
Se trata de uma oração subordinada subjetiva, sendo o "é" um verbo de ligação e o "que" uma conjunção.
Dica que eu usei para resolver essa questão: leia as frases retirando o "é que", se ainda fizer sentido, o "que" é expletivo ou de realce.
Gab. B
Os autores é que sabem o que escrever em seus livros;
Os autores sabem o que escrever em seus livros; (sentido permaneceu)
A verdade é que os escritores se preocupam com o social;
A verdade os escritores se preocupam com o social; (Aqui já ficou incoerente)
As preocupações sociais é que valorizam uma obra;
As preocupações sociais valorizam uma obra; (sentido permaneceu)
Autores como Clarice é que escrevem bem;
Autores como Clarice escrevem bem; (sentido permaneceu)
Um texto escrito é que pode envergonhar seu autor
Um texto escrito pode envergonhar seu autor (sentido permaneceu)
O realce "é que" está anteposto ao sujeito. Não sei dizer se isso é determinante, mas acertei vendo essa diferenciação das demais.
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