No primeiro período do quarto parágrafo, a forma pronominal...

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Q3103831 Português

        A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.


        O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pego.

        

         Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão.


        Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: “gratificar-se-á generosamente”, ou “receberá uma boa gratificação”. Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o açoitasse.

 Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas, por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir, também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.


Machado de Assis. Pai contra Mãe. In: Machado de Assis. Relíquias da casa velha, 1906 (com adaptações).


Machado de Assis inicia o conto Pai contra Mãe — escrito em 1906 e publicado na coletânea Relíquias da casa velha —, mencionando “ofícios e aparelhos” da escravidão no Brasil. O conto aborda a história de Cândido Neves, personagem que trabalhava na captura de escravos fugidios. Considerando o fragmento desse conto apresentado anteriormente, julgue os itens a seguir.

No primeiro período do quarto parágrafo, a forma pronominal “lho” retoma os termos “Quem” e “escravo”. 
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Comentários

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Gab C

[1] Construções arcaicas mas ainda figurando nas gramáticas e em registros superformais são aquelas em que o pronome átono se contrai com outro átono. Veja que contrações “bisonhas”:

– Basta de discussão sobre a roupa! Ele dar-ma-á de presente e pronto. = Ele dará a roupa (= a) para mim (= me)... (me + a = ma)

– Ele viu o carro e instou com o dono para que lho vendesse. = ... para que vendesse o carro (= o) a ele (= lhe)... (lhe + o = lho)

– Deram-ta! = Deram-te uma bela lição (= a)!... (te + a = ta)

[2] Há uma construção clássica na Língua Portuguesa que permite a substituição de dois complementos verbais diferentes ao mesmo tempo:

Eu entreguei o presente ao menino.

o presente — objeto direto = o

ao menino — objeto indireto = lhe

Eu lho entreguei. (lhe + o) 

.

Obs: Percebam que o LHO vai trazer consigo tanto a contração do objeto direto quanto do objeto indireto.

Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse.

... quem levasse o escravo (OD) a quem (OI) perdia...

Fonte:

[1] Pestana

[2] Martino, Agnaldo

Questão difícil da poha, qualquer erro me avisem!

Gabarito: CERTO

  • "Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse."

LHE+O = LHO

Lhe: Refere-se a quem perdeu

Lho: Refere-se ao escravo 

A cespe não cobrava isso há muito tempo. Peguei essa questão do fundo do baú:  

Trecho: Em toda a parte a terra é um bloco onde se exercita a molduragem dos agentes externos entre os quais os grandes rios se erigem como principais fatores, no lhe remodelarem os acidentes naturais, suavizando-lhos. 

(CESPE/2008) Identifica-se em “-lhos” contração dos pronomes lhe e os, assim como ocorre com me e as, em: Emprestei-lhe as revistas em janeiro; devolveu-mas somente em dezembro. (C) 

QUEM LEVA, LEVA ALGO A ALGUÉM

LHO LEVASSE

LHE + O + LEVASSE.

O termo "lho" é a contração dos pronome oblíquos átonos "o" (refere-se ao ESCRAVO) e "lhe" (refere-se a QUEM capturou o escravo) - objetos direto e indireto.

  • O.D.: sem preposição.
  • O.I.: com preposição.

  • "Lho" é a contração de "lhe" e "o"
  • "Lhos" é a contração de "lhes" e "o(s)"
  • "Lha(s)" é a contração de "lhes" e "a(s)"

É possível haver combinação entre os pronomes, da qual surgirão formas específicas. É o que ocorre quando os pronomes me, te, lhe, nos e vos, em função de objeto indireto, acompanharem os pronomes o, a, os, as, em função de objeto direto. Nesse caso, gerar-se-á as formas mo, to, lho, no-lo, vo-lo.

  • Entreguei o seu recado a ele. = Entreguei-lho.
  • Você paga a mim a dívida de Carlos. = Você ma
  • Não deram o presente a ti? = Não to

COMBINAÇÕES PRONOMINAIS POSSÍVEIS

  • me + o= mo
  • me + a= ma
  • nos + o= no-lo
  • nos + a= no-la
  • te + o= to
  • te + a= ta
  • vos + o= vo-lo
  • vos + a= vo-la
  • lhe + o= lho
  • lhe + a= lha

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