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[Em torno dos sonhos]
A palavra sonho, do latim somnium, significa muitas coisas diferentes, todas vivenciadas durante a vigília, e não durante o
sono. Realizei o “sonho da minha vida”, “meu sonho de consumo” são expressões usadas cotidianamente pelas pessoas para dizer
que pretendem ou conseguiram alcançar algo. Por que será que o sonho, fenômeno normalmente noturno que tanto pode evocar o
prazer quanto o medo, é justamente a palavra usada para designar tudo aquilo a que se aspira?
O repertório publicitário contemporâneo não tem dúvida de que o sonho é a força motriz de nossos comportamentos, a
motivação íntima de nossa ação exterior. Num anúncio de cartão de crédito, a promessa milagrosa: “Realizamos todos os seus
sonhos”. Em outro anúncio de cartão de crédito, uma foto enorme de um casal sorridente, velejando num mar caribenho em dia
ensolarado, está sobre a frase “Aonde os seus sonhos o levarão?” Deduz-se do anúncio de que os sonhos são como veleiros,
capazes de levar-nos a lugares idílicos, perfeitos, altamente... desejáveis. As equações “sonho é igual a desejo que é igual a dinheiro”
têm como variável oculta a liberdade de ir, ser e principalmente ter, liberdade que até os mais miseráveis podem experimentar no
sonho noturno, mas que no sonho diurno é privilégio apenas dos detentores de um mágico cartão de plástico.
No seu famoso discurso “I have a dream” (“eu tenho um sonho”), o reverendo Martin Luther King colocou no centro do debate
político norte-americano a necessidade de justiça e integração racial. Num país construído por escravos africanos, seus descendentes
eram obrigados a construir o “sonho americano”, mas proibido de fruí-lo. Prêmio Nobel da paz em 1964, o dr. King foi assassinado a
tiros quatro anos depois. Morreu o reverendo lutador, mas não o sonho, que vicejou e progressivamente abriu espaço para a diminuição da desigualdade racial no país. Força poderosa a dos sonhos, que continua a requerer explicação.
(Adaptado de: RIBEIRO, Sidarta. O oráculo da noite. A história e a ciência do sonho. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p, 19-20)
As normas de concordância verbal estão plenamente observadas na frase: