Recentemente, a “nova esquerda” dos novos movimentos
sociais, dos movimentos das minorias sobretudo, passou a
tematizar o “direito à diferença”. Com base na convicção da
“legitimidade das diferenças”, passou-se a propor como novos
imperativos categóricos para a esquerda o “respeito às
diferenças”, a “defesa das identidades coletivas”, a “preservação
das particularidades culturais”, o “respeito das mentalidades
específicas”, a “irredutibilidade das experiências de gênero” e
assim por diante. Ora muito bem, estas novas divisas de
esquerda, que podem ser resumidas na reivindicação do “direito à
diferença”, trazem em si mesmas um ardil, que a meu ver provém
justamente desta sua ambiguidade, uma debilidade hereditária: o
fato de ter sido o amor da diferença alimentado no campo
(ultra)conservador duzentos anos a fio, e só mui recentemente
incorporado em algumas faixas ou zonas do campo de esquerda,
este fato torna o clamor pelo “direito à diferença” dificilmente
distinguível da defesa das diferenças própria do estoque de
certezas do senso comum conservador.
Antônio Flávio Pierucci. Ciladas da diferença. In: Tempo Social.
São Paulo, 2 (2), p. 15-16, 1990 (com adaptações).